A.R.E.S. VIZINHA FALADEIRA
SINOPSE – CARNAVAL 2019
ENREDO : “DE CATULO À
LAMPIÃO , BEM VINDO A TERRA DO CÃO !”
CARNAVALESCO : JEAN
RODRIGUES
Ser nordestino é ser
definitivamente um ator coadjuvante no mais dantesco dos
espetáculos brasileiros…
Comparar a resistência e
persistência dessa gente a saga de povos como egípcios,judeus e tantos outros
marcados por guerras, êxodo, miséria e morte, não seria nada absurdo…
Um povo forte que tem em
suas visões e espantos um cenário riquíssimo indo do lirismo poético, a música
e arte, ao escárnio e ao deboche, tudo no universo lúdico que faz parte da alma
nordestina, no eterno embate com a “Caetana” fiel adversária nas escaldantes entranhas do
nordeste…
A noite aqui, é como um
intervalo, como se por ordem divina, o sol se retirasse
piedoso, mas depois que
anoitece, podemos confirmar que “não há oh gente oh não, luar como este no sertão!…”
Clareando a serra magrela podemos ver entre suas costelas, evaporar o suor do
dia, enfim podemos ver o orvalho da noite, brincar na luz do luar! Como bradava
Raimundo nos anos oitenta… o caboclo dorme à luz do luar mais bonito do mundo!!
Na manhã seguinte, não
bastando os que aqui habitam, um demônio enche os
pulmões e sopra do norte da
África o “siroco” que com as entranhas recheadas de areia do Saara empurra as
mínimas chances de chuvas para uma egoísta e
empanturrada Amazônia…
seu olhar vazio se perde na imensidão dos céus…
É mais um dia aqui na terra
do cão… estilhaços da peleja entre Deus e o diabo na terra do sol, vai imprimindo
na alma cabocla os aspectos literários e musicais
característicos dessa
região. Como veremos na literatura de Cordel a linha que divide-se é que divide – o
torpor da piada, o nefasto do circense é tênue e transposta constantemente pela poesia,
fé e a arte, compondo um requiem à vida do cabra dessas pairagens…
Não muito distante dos
bonequinhos, burrinhos e sanfoninhas de Vitalino, ergue-se o bicho de sete cabeças…
faminto de corações e almas num seco campo de batalhas onde os arcanjos do nordeste
também vão degladiar por tesouros literários… João Cabral de Melo Neto, é
um desses arcanjos que arrancou a golpes de enxada do estômago do bicho de
sete cabeças, a morte e vida de Severina, mais um tento a favor de Deus…
Nesse campo de batalha surge
também um romântico Patativa, enchendo de um verde utópico o imaginário
coletivo do nordeste… enquanto isso no mais esquecido rancho fundo dessa terra, um
violeiro corta o silêncio da noite com uma canção ácida como o chão que pisa,
distante como a chuva que espera…
Esse canto único lhe amola
a faca e a alma, lhe costura o terço e o gibão
fortalecendo os laços que
os une a compadecida mãe!! Nossa senhora, nessa noite vai advogar junto a Jesus, seu
filho por todos nós caboclos e bichos do mato, guardados por seu manto e pela luz dos
olhos…
Rezar e cantar é um dueto
permanente, inerente ao sertanejo como seu estandarte na procissão aos céus… A
fé fortalece a coragem, a coragem lhe adoça o canto… que é folclórico, violento ou
sagrado e por fim, o lamento, ladainha e funesto !
Então canta-se até quando
morre, é como se nessa hora, a platéia e até a própria morte, lhes batessem palmas…
Curvando-se honrosa diante de sua coragem e luta limpa durante toda peleja,
na escuridão da noite segue o caboclo, o pavão misterioso segue a luz de velas…
Acabada a novena, cumprida a
missão lá vai o magrelo defunto com um pequeno sorriso no canto dos lábios…
Quem sabe porque sorrir?
Só Deus sabe, Deus e a
própria Caetana vai ali respeitosa, mas dona. Como se
carregando seu troféu,
prêmio do fim da luta…
Em dado momento, ele sorri
da própria Caetana e num invisível e inaudível
diálogo, sorrindo vai
cantando um poema em voz alta, girando a sua volta… lhe
fazendo careta…
“Senhora Dona Morte!
Pensando bem até que tive
sorte
Ao fim do meu reisado…
To vendo agora que no
próximo povoado
Nasce magrelo um outro
menino
Que tal qual a mão de
Vitalino
Tem a alma adornada de arte,
de fé!!
Eis que o rebento
Mando-lhe dizer;
Donde nenhuma ave canta
E nem o diabo espanta
Nasce um novo coração
Quem sabe um Patativa
Catulo ou Ariano…
Entre cueiros e panos
Aos berros brada seu bordão
Que saibam os seres viventes
E até os de carne ausentes
Eis minha condição…
Nessa vida que começa
Nenhum segundo de trégua
Jura esse filho de uma égua
Rumo as tripas do sertão
Com pouca carne e muito osso
Uma cruz e um breve no
pescoço
E um belo punhal a mão!
Uma peleja em sangue e prosa
Incessante porém honrosa
De novo na terra do cão!
Carnavalesco – Jean
Rodrigues
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