MATAMBA -
O SONHO DE UMA RAINHA
APRESENTAÇÃO
O
GRES. Acadêmicos do Engenho da Rainha se originou no bairro
homônimo, cujo nome remonta à Fazenda onde Carlota Joaquina
costumava descansar de sua agitada vida na corte do Rio de Janeiro.
Sabe-se
que a Princesa do Brasil e Rainha Consorte de Portugal tinha o hábito
de escrever, fosse em seu diário pessoal ou nas muitas
correspondências que enviava para familiares, nobres e aliados no
Brasil, na América Espanhola e na Europa.
Muito
provável portanto, que nas suas idas e vindas entre a Corte e a
Fazenda, Carlota levasse sempre consigo seu diário para registrar
fatos, curiosidades e as suas impressões sobre tudo o que
presenciava.
Partindo
dessa ideia, o livro símbolo da Acadêmicos do Engenho da Rainha
tornar-se-á o diário de Carlota Joaquina.
Vamos
folheá-lo e a abri-lo na página onde Carlota registrou suas
impressões sobre o primeiro carnaval que presenciou no Rio de
Janeiro e como isso levou-a a sonhar com uma viagem à África
desconhecida.
A
todos os súditos, curiosos ou não, convidamos: Vamos sonhar o sonho
da Rainha do Engenho!
JUSTIFICATIVA
Sudoeste
da África, Século XVII. Nzinga Mbande Cakombe, Rainha de Matamba,
pôs em prática as mais variadas estratégias para defender seus
territórios das ameaças externas. Tornou-se
uma das maiores governantes da história da África, tendo sido
eternizada na memória popular de portugueses, brasileiros e
angolanos como Rainha Njinga ou Ginga. Ao longo dos anos, fez
alianças e rompeu-as, fosse com os colonizadores portugueses, com a
temida tribo guerreira dos Jagas, ou com os invasores holandeses. O
que esperar de uma rainha sobre a qual recaía a suspeita de ter
envenenado o próprio irmão para usurpar-lhe o trono? Lutou
contra a escravidão do seu povo, mas aprisionou, escravizou e vendeu
seus inimigos. Batizou-se católica e ao mesmo tempo adotou costumes
pagãos dos jagas. Graças ao seu “gingado”, conseguiu manter a
independência de Matamba e reinar até sua morte, com mais de 80
anos de idade. Somente então, os portugueses conseguiram invadir e
dominar a região. Matamba, um trono sem rainha...
Sudeste
da América do Sul, Século XIX. Carlota Joaquina
Teresa Cayetana de Bourbon tornou-se a primeira princesa europeia a
cruzar o Oceano Atlântico e pisar as terras do Novo Mundo. Viveu uma
relação conflituosa com seu marido, D. João, então Príncipe
Regente de Portugal, contra quem tramou por diversas vezes ao longo
da vida, na tentativa de usurpar-lhe o trono. Diz-se que em uma
dessas conspirações malsucedidas, teria tentado envenenar o próprio
marido. Em suas diversas manobras políticas, tentou ser declarada
Regente da Espanha enquanto o Rei daquele país, seu irmão, era
prisioneiro de Napoleão. Viu nos movimentos pela independência das
colônias espanholas no Rio da Prata, uma oportunidade de ser
declarada Rainha (ou pelo menos Regente) da região. Após a morte do
Rei D. João VI, tornou-se inimiga política do próprio filho Pedro,
Imperador do Brasil, na disputa pela sucessão do trono português.
Sua biografia deixa claro o quanto desejava um trono para chamar de
seu... mas teve que se contentar em ser a Rainha Consorte de
Portugal. Carlota, uma rainha sem trono...
Rio
de Janeiro, Século XXI. No carnaval carioca, o GRES. Acadêmicos do
Engenho da Rainha abrirá o diário de Carlota Joaquina para
apresentar em um desfile onírico a fantasia do inconsciente da
princesa do Brasil. Em uma noite de carnaval, Carlota viaja em sonho
aos territórios portugueses na África, terra que ela jamais
conheceria em sua vida. Nesse reino dos sonhos, a princesa se encanta
com cores e sabores, cobiça riquezas, teme perigos imaginários,
conhece a fé do povo negro e os poderes de Matamba. Ao encontrar-se
com o espírito de Njinga, reconhece afinidades entre ambas e
pede-lhe perdão (terá sido sincera?). Entendendo como Njinga
precisou “aportuguesar-se” para conseguir reinar em Matamba,
Carlota “se africaniza” e vê nessa aliança a grande
oportunidade de finalmente ter um trono só para si!
SINOPSE
Rio
de Janeiro, manhã de carnaval, 1809.
Já
faz quase 1 ano da minha chegada a esta cidade.
Finalmente
eu tive a oportunidade de presenciar a forma como a gente daqui
celebra o carnaval.
Como
se livres fossem, os negros escravos saem às ruas e comemoram a
festa de forma bastante curiosa. Atiram uns aos outros: água,
farinha e até mesmo outras coisas repulsivas!
Mas
a alegria da festa é tão contagiante!
Ontem
ao me deitar, aquelas imagens não saíram da minha mente.
Talvez
por isso, esta noite tive um sonho. Um sonho tão real que quase
poderia tocá-lo.
Eu
desembarcava na costa da África para conhecer as províncias
ultramarinas do Reino de Portugal.
Terras
que meus olhos jamais avistaram.
Terras
que conheço apenas pelas ilustrações dos livros e pelos relatos
dos viajantes.
Salve
São Paulo da Assunção de Loanda!
Meus
pés de princesa pisavam pela primeira vez o maior porto português
em África, de onde saíam os navios carregados de escravos para o
Brasil.
Lá
fui recebida por um grupo de guerreiros.
Suas
peles brilhavam com a cor do ébano e despertaram meus desejos mais
secretos, que não ouso aqui confessar.
Levaram-me
do cais à cidade, onde tambores ressoavam em meu louvor.
A
gente de lá saudava-me como sua senhora e ofereciam-me flores e
frutas exóticas, de cores extravagantes e sabores inigualáveis.
Após
celebrarem a minha chegada, os nativos convidaram-me a conhecer os
rincões da África.
Temi
adentrar à mata. Mas, apesar do meu receio, juntei-me ao cortejo
rumo ao interior do território africano.
Ao
longo da viagem, os negros apontavam:
-
Ouro!
-
Prata!
-
Diamantes!
Pude
perceber que aquela terra possuía infinitas riquezas.
Andamos
por muitas horas até que senti um vento forte.
Trovões
ecoaram.
Relâmpagos
rasgaram os céus, iluminando a noite.
Os
negros exclamaram: “Pembelê, Matamba!”.
Estávamos
a entrar nos domínios da Senhora do fogo e das tempestades, que
abria nossos caminhos com a luz dos seus raios.
Vi
borboletas a revoar ao nosso redor.
E
eu já não temia mais percorrer aquelas matas.
Sentia-me
protegida de todos os perigos que eu havia imaginado: frutas
venenosas, plantas carnívoras, feras monstruosas ou até mesmo
tribos de canibais...
Nada
disso me impediria de seguir a desbravar aquele reino fantástico!
Eis
que desponta, perdido no meio da mata, um suntuoso palácio.
Dentro
dele, os temidos guerreiros jagas protegiam o meu desejo mais
cobiçado: o trono de Njinga estava ali, bem diante de meus olhos.
O
espírito da lendária rainha negra pairava sobre ele a ostentar um
olhar de reprovação.
Aproximei-me,
pus-me de joelhos e pedi-lhe perdão.
Perdão
por todos os crimes e pecados cometidos pelos invasores no solo
sagrado de Matamba.
E
aquele espírito de luz entendeu que, assim como ela, eu também tive
relações de aliança e traição com a Coroa Portuguesa.
Assim
como eu, aquela rainha negra jamais foi chamada de fraca, nem mesmo
pelos seus maiores inimigos.
Despertamos
amores e ódio, mas nunca a indiferença!
Duas
mulheres ao mesmo tempo tão diferentes e tão parecidas.
Njinga
derramou uma lágrima e em seguida sorriu.
Estendeu
os braços e me conduziu até seu trono.
Uma
grande oportunidade se abria para mim naquela aliança inesperada.
Nunca
poderia imaginar que no continente negro eu encontraria o lugar ideal
para ser aclamada como rainha.
Então,
não tive dúvidas, aquele trono tinha que ser meu!
Sentei-me,
e com as bênçãos da luz de Nzambi, tornei-me uma rainha africana!
Pouco
depois acordei e me dei conta que ainda sou a Princesa do Brasil.
Foi
apenas um sonho...
Mas,
se fecho os olhos, ainda posso ouvir meus súditos gritando:
Mucuiu
Nzambi, Carlota Jakina!
A
chama de Matamba é a luz que te ilumina!
Mucuiu
Nzambi, Rainha de Matamba!
Mucuiu
Nzambi!
GLOSSÁRIO
Jaga
– Tribo de guerreiros da África, cujo líder casou-se com Njinga,
tornando-se seu aliado na luta contra os portugueses.
Jakina
– Segundo o Dicionário Kimbundu – Português, foi a forma como
os falantes do kimbundu adaptaram o nome Joaquina do português para
sua língua natal.
Matamba
– Divindade da mitologia bantu ligada ao fogo e aos fenômenos que
vem do céu, como raios, trovões, tempestades, etc. Matamba também
é o nome do antigo reino africano cujo território hoje pertence à
Angola, e que resistiu por muitos anos à invasão portuguesa sob a
liderança da Rainha Njinga.
Mucuiu
Nzambi – Expressão em kimbundu que pode ser traduzida como
“Deus lhe proteja” ou “Deus lhe salve”.
Nzambi
– O Deus supremo na mitologia bantu.
Pembelê
– Saudação que pode ser traduzida como “Eu te saúdo”.
BIBLIOGRAFIA
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Janeiro: Editora Foz, 2015.
ASSIS
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da História da Biblioteca Nacional,
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CASSOTTI,
Marsilio. Memórias de Carlota Joaquina: A amante do poder.
São Paulo: Planeta, 2017.
FERREIRA,
Fábio. Sonhos
de uma rainha frustrada.
Revista da História da
Biblioteca Nacional, Ano
8, n. 96, p. 26 a 29, 2013.
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