Certa ocasião, um amigo contou-me que estava muito “chateado” com ele mesmo. Perguntei, então, o motivo e ele respondeu: “Ontem, perdi a calma e dei uma palmada em meu filho de oito anos de idade. Meu filho ficou muito assustado e eu mais ainda com a violência que acabara de cometer. Não imaginava que eu era capaz disso”. Lembrei dessa conversa ao ler e assistir às notícias sobre o projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional para mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente propondo a proibição do castigo físico em crianças e adolescentes. Num primeiro momento pode até parecer uma ideia absurda, pois o normal seria sermos todos contrários ao castigo físico contra as crianças. Não precisaria, portanto, de lei para proibir algo que não queremos fazer. Não é o que acontece. As opiniões de dividem sobre o assunto.
Tenho acompanhado as discussões, atentamente, como profissional da educação que sou e como pai de Maria, uma adolescente de 14 anos de idade. Queria dizer que o grande mérito dessa discussão não será o resultado final dela: aprovação ou rejeição do projeto, se a palmada dói ou não dói. O mérito está na discussão que o tema está provocando. Minha opinião não mudou nada até agora. Ao contrário, ao ouvir os argumentos de ambos os lados, eles só fizeram reforçar minha convicção anterior: sou contra todo e qualquer tipo de castigo físico a qualquer pessoa. Diria mais: sou contra castigo físico aos seres vivos. E como criança é um ser vivo, no caso em questão uma pessoa, sou contra.
Defendo que uma criança que cresce num ambiente de amor, de acolhimento e de muito diálogo terá grandes chances de ser um adulto que optará, também, pela resolução pacífica e não violenta dos conflitos que na vida enfrentar. Além do mais, não podemos esquecer uma obviedade: as crianças e adolescentes serão adultos muito parecidos com os adultos com os quais conviverem na sua infância e adolescência. Portanto, é muito forte a tendência de elas repetirem aquilo que tiveram como exemplo dos pais e das pessoas com as quais conviveram. Isto, aliado ao modelo educativo escolar, acaba tendo uma influência muito grande sobre que tipo de pessoas teremos em nossa sociedade no futuro. Além do mais, a função daqueles que cuidam e educam as crianças é criar um ambiente de acolhimento e de cuidado para que essa criança aprenda esses valores que só podem ser aprendidos na convivência e não apenas na sua defesa teórica. Valores nunca se ensinam. Eles precisam ser vivenciados. Portanto, como vamos construir uma sociedade mais fraterna, mais solidária, mais pacificada se não praticarmos esses valores com aqueles(as) que serão os adultos no futuro? Parece-me muito simples a resposta: rejeitando todo e qualquer tipo de violência, física ou simbólica. Portanto, palmada dói sim, e muito. Dói na alma. Foi a dor que sentiu meu amigo do começo desta crônica.
Artigo publicado no jornal zero hora (19/07) de porto alegre/RS
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