sábado, 21 de agosto de 2010

ENREDO 2011 GRES UNIÃO DE JACAREPAGUÁ (RIO DE JANEIRO/RJ)

FEIJOADA: MISTURA E TEMPERO, DA COR DO SAMBA, SABOR BRASILEIRO (SINOPSE)

J U S T I F I C A T I V A
Entre as elaborações culturais que resultaram em símbolos nacionais, a origem da feijoada apresenta características bastante singulares. Primeiro porque, desde o período colonial, o feijão preto, que já era conhecido pelos indígenas, unia senhores e escravos em um mesmo costume. Desta forma, ao atravessar verticalmente a estrutura social, o uso do feijão para reelaborar as influências externas e possibilitar o surgimento da feijoada tornou-se quase uma conseqüência natural. Em segundo lugar, a história deste prato é um desafio às crenças do povo e a alguns mitos profundamente enraizados no conhecimento popular.
No entanto, independentemente dele ter surgido nas senzalas ou, como dizem os historiadores, nos restaurantes do século XIX, como o famoso G.Lobo, o importante é que a receita da boa feijoada, hoje conhecida por todos, caiu nas graças do povo, especialmente da população afro-brasileira.
É importante relativizar o peso da História para as ações do presente. Além dos importantes estudos que buscam as origens no passado, existe uma parcela significativa da população para quem a feijoada está empiricamente presente no dia-a-dia, como parte de seus rituais e momentos festivos. As importantes pesquisas históricas, apesar de sua inquestionável relevância, jamais apagarão o simbolismo da feijoada para a população afro-brasileira, pois o reconhecimento coletivo não precisa de uma origem real, concreta e teoricamente fundamentada. Basta, simplesmente, sentar em volta de uma mesa e, de preferência ouvindo um bom samba, compartilhar o alimento e acreditar em uma história comum, mesmo que ela seja apenas presumida.
S I N O P S E
O cheiro da feijoada se espalha pelo ar. O tan-tan e o pandeiro já estão preparados, aguardando as mãos do alegre ritmista. A roda de samba vai começar. Como bom carioca, sou sambista e trago a brasilidade não apenas em minha pele mulata, mas também no paladar. Tudo começou com o feijão, o bom feijão preto. Ele é natural daqui mesmo, da América do Sul, e já fazia parte da dieta alimentar de nossos indígenas. Quando os europeus chegaram, trazendo pelas correntes nossos ancestrais africanos, fizeram do feijão, cuja colheita era realizada principalmente pelas mulheres, um alimento comum a todos os grupos sociais. Da casa grande aos porões das senzalas, ricos e pobres, senhores e escravos, todos o saboreavam. Sim, os senhores também. Apesar de não gozar, digamos, de um status social muito elevado, na privacidade dos lares eles não dispensavam o delicioso feijão preto. Este hábito, que atravessava as profundas desigualdades sociais do Brasil colônia, foi fundamental para que a feijoada surgisse e se tornasse um símbolo nacional.
No entanto, dizem os historiadores que a feijoada não surgiu nas senzalas, como geralmente a gente aprende, mas nos restaurantes do século XIX. Ela seria uma reelaboração de influências estrangeiras, sobretudo o cassoulet, francês, e o tradicional cozido português. As transformações do Rio de janeiro neste período, principalmente com a chegada da Família Real portuguesa e sua gigantesca Corte, motivaram mudanças de hábitos e costumes. As ruas da cidade se tornaram um grande caldeirão cultural que fervilhava, preparando, com o nosso conhecido feijão preto e uma pitada de criatividade brasileira, as influências externas. Surgia a feijoada carioca, que, aos poucos, foi se popularizando e ganhando espaço nos restaurantes, sendo noticiada nos principais jornais da época. A receita definitiva foi ganhando forma com o passar dos anos, se consolidando no antigo restaurante Lobo, ou G.Lobo, como os boêmios preferiam chamar, importante ponto de encontro de estudantes e intelectuais que não gozavam de poder aquisitivo elevado. Com as obras de alargamento da rua Uruguaiana o "Globo dos pobretões", como era popularmente chamado, desapareceu, mas a receita já havia se espalhado.
Hoje todo mundo sabe os ingredientes para uma boa feijoada. O feijão tem que ser o nosso pretinho mesmo. Xô, fradinho, ninguém te quer! Não somos racistas, mas feijão branco não entra. Do porco tudo se aproveita. Ao lado do feijão, ele é a grande estrela desta festa! Para comer sem o peso de estar engordando, pelo menos o peso na consciência, a sabedoria popular diz que basta acrescentar uma laranja que ela corta os efeitos da gordura. Ninguém tem mais desculpa! Tem o arroz e a couve, verde e branco como o pavilhão da minha escola, que não podem faltar. Tem também, não podemos esquecer, a caipirinha, esta incomparável mistura nacional que sempre acompanha as melhores feijoadas. Os gringos adoram. A feijoada se tornou produto de exportação. Sua fama corre o mundo e atrai a atenção de turistas ávidos para experimentarem o sabor de nossa terra.
Os historiadores nos dizem muita coisa. O que eles não conseguem explicar é o sentimento do povo, e, como diz o ditado, a "voz do povo é a voz de Deus". A população afro-brasileira tem a feijoada como um dos seus símbolos, a utiliza como parte de seus rituais e momentos festivos, e nada mudará este fato. Ela está na exaltação de nossa consciência, que mantém viva a chama de Zumbi. Está em nossas homenagens aos pretos velhos. Está em nossos terreiros de devoção a Ogum guerreiro. Desde as festas nos quintais de Tia Ciata, é preparada pelas tias do samba, verdadeiras matriarcas que construíram os pilares da cultura africana no Brasil. A partir de 2003, quando a Portela resolveu reviver as antigas feijoadas de Tia Vicentina, elas entraram para o calendário mensal de praticamente todas as escolas de samba, atraindo cariocas e turistas para as quadras de ensaio. Hoje, sentindo o cheiro que se espalha pelo ar, estamos todos aqui em minha escola, a União de Jacarepaguá, para mais uma animada roda de samba que reúne, sem discriminação, o suburbano e o morador da zona sul. O rico e o pobre, brancos e negros na pele ou na alma, compartilham o mesmo prazer. A feijoada, em suas misturas e temperos, tem sempre a cor do samba. É o melhor sabor brasileiro.


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