“Zicartola”
S I N O P S E
Abrem-se as portas do Zicartola. De repente, a multidão
que estava aglomerada, depois de algumas horas de espera, consegue entrar.
Também pudera, o bar é a coqueluche do momento. As longas filas são costume,
mas só de conseguir ouvir A Voz do Morro, desde a rua dos Andradas, já nos dá
uma boa ideia do que nos espera. Pés adentro, caminhamos entre as várias mesas
espalhadas e nos sentamos escorados na parede ilustrada pelas fotos dos
artistas que por aqui passam. Da porta da cozinha de dona Zica advém o delicioso
cheiro de sua comida caseira e pelos ouvidos somos tomados pelas melodias
cantadas pelos velhos sambistas.
E é ela que vem nos receber, dando as boas vindas e
entregando o singular cardápio, ilustrado e assinado pelo característico HP de
Heitor dos Prazeres. Até os nomes dos petiscos são detalhes à parte, como o
docinho de coco à Eliseth Cardoso. Fazemos o pedido enquanto vejo Carlos
Cachaça honrar o sobrenome. Chega à nossa mesa carne seca com abóbora, língua
com purê de batata, feijão, sopa e pimenta. E sobe mais um no palco e desce
mais cerveja pra gente.
E não demora pra percebermos que o Zicartola é muito
mais que comida e samba. Aqui de tudo Acontece. Enquanto Clementina entoa
jongos e lundus, Manelzinho Araújo toca choros, Nara Leão traz a bossa nova e
João do Vale canta baiões e xaxados. Um mosaico da música popular brasileira. E
num canto, Hermínio Bello de Carvalho lança seu novo livro. Outro dia, o lugar
até sediou a festa de casamento do par que dá nome à casa. E dá gosto de olhar
pros lados e ver essa mistura de gente: rapazotes estudantes conversando com
antigos compositores, a turma da Zona Sul cantando com o povo da Zona Norte,
gente de jeans com outros de terno e gravata. Um verdadeiro caldeirão
multicultural.
Mas por maior que seja a esbórnia do recinto, o som do
Zicartola não abafa o grito silenciado das ruas, em tempos de repressão. Pelo
contrário. Aquilo que entra por nossa goela abaixo, passa a nos doer a cabeça e
se torna ressaca (moral). No meio da farra, tomo um susto com o Vianinha, que
sobe numa mesa e brada contra o governo retrógrado vigente, enquanto Sérgio
Cabral protesta em favor dos desempregados. E as músicas vão ampliando seus
significados, cantando a verdade que não pode ser dita. Dura a censura.
O ponteiro do relógio avança e como tudo que é bom dura
pouco, quando me dou conta, já é tarde. O Sol Nascerá em instantes. Vou, junto
dos meus, com sorriso no rosto, me despedir dos já cansados de tanto trabalho,
Zica e Cartola, e pagar a conta, é claro, mas o divino não deixa.
– Amigo meu não paga – sentencia o poeta
– Obrigado, mestre. Mas que isso não se torne hábito.
Assim vai acabar falindo – advirto enquanto me despeço.
E as portas tristemente se fecham. Mas ficam as portas
abertas para os talentos que lá despontaram, as canções que de lá saíram para
ganhar o país. Prevalece a voz que se deu à Opinião. E assim o Zicartola
permanece vivo, sobretudo a cada vez que nos reunimos para reviver aquelas
noites de alegria. Você também é nosso convidado. Pode chegar, fique à vontade.
Texto: Tiago Ribeiro
Comissão de Carnaval: Claudio Fontes, Flávio Mello e
Tiago Ribeiro.
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