sábado, 6 de julho de 2019

SBC BAMBAS DA ORGIA (PORTO ALEGRE/RS)

“Eu Sou Passado, Eu Sou Presente, Eu Sou Futuro. Saudade... Quem É Que Não Tem?”


SINOPSE

No mês de Maio, sete dias antes de celebrarmos na senzala o início de uma jornada para a liberdade, o coração sábio do velho griô palpitava – havia tempo para uma história.
Ao acender o cachimbo, a mão dirige-se ao peito, que é o local onde guardara esta revelação. Escuta só o que vou te contar...
Nada pode ser maior. Nem o tempo, nem o espaço. A “Razão Maior” de ser é ultrajar a barreira do finito. O “pra sempre” sempre acaba, mas o amor ágape, intangível e imortal não há quem apague. Sou passado, sou presente e sou futuro! Bailo no tempo, voo por imensidões desta terra. Toco em tantas histórias, mundos e vidas... Até tocar, com as asas, a sua pele... A emoção da águia sentida da cabeça aos pés! Ao soar da sirene, o coração azul e branco pulsa forte, bate no compasso do “Trovão”.
Ao perguntar seu nome, obtive três respostas...

***

I - “Eu sou o passado”
Fecho os olhos e deixo a lágrima rolar...Sinto saudades de quando somente a diversão imperava na folia do velho Porto dos Casais.
Lança-perfume deixa marca no ar,meu amor! De cortejo em cortejo, colori a cidade. Era confete, serpentina para tudo que é lado, que felicidade!
O luxo não estava em tecidos caros ou efeitos brilhantes. Eram de carne, osso e espírito: o próprio carnavalesco dava vida a trupe momesca através dos figurões pierrô, arlequim e colombina – estava formado o reinado de Momo, do Rei do povo. Palhaços, balões pelos ares e sorrisos fáceis completavam o festejo dos corsos e das Grandes Sociedades.
Negros, mestiços e brancos brincavam juntos pela boemia, no Areal e na Colônia Africana...O Xis do Problema, Divertidos e Atravessados, Democratas, Aratimbó, Aí Vem a Marinha, Trevo de Ouro, Comandos do Morro, Namorados da Lua... Engraçados, por vezes matutos, pomposos quando deveriam de ser... Tô Com a Vela, Canela de Zebu, Te Arremanga e Vem, Saímos sem querer, Tira o Dedo do Pudim... Eram nomes de renome que Porto Alegre viu crescer.
De cara pintada, trazendo o clamor indígena para a festa popular – lendas e magias se misturavam à tradição deste lugar. Eram os Caetés, pioneira tribo a levar o folclore ritual para os coretos nos dias de desfile.
Ah, como era bom e sabíamos o que era alegria! -Bambas da Orgia! Estava escolhido o nome na tradicional residência dos Vargas, no Bairro da Santana – palco de memoráveis carnavais.
O Rio Grande era o símbolo maior nos festejos de outrora. Chegar em casa cantando “cadê meu bem?” O dia já vem raiando a aurora... Saudosas décadas da belas damas inaugurando a avenida, dos fraques dos guris no filão. Eram anos dourados e íamos além da força da natureza, que beleza! Era o Bamba do chinês, do turco, do Mandrake! Salve o Carnaval!

II - “Eu sou o presente”
Pra deixar saudade, temos que ser presentes. Saudade é um presente. E o tempo, agora, se transforma em saudade do que sempre fui – do que sou.
Sou o esplendor de quem usou casaca e cartola em plena Avenida João Pessoa, transformando a passarela em palcos de uma Broadway brasileira. Sou o afilhado glorioso de uma Portela, tão bela, deslumbrante Águia.
Sou o sonho de criança que não quer acordar, preferindo o mundo em ilusão para assistir a vida de um carrossel a girar. Como é doce ser criança e poder imaginar! Sou o mundo colorido e musicado, genial de um Brasil tropical – Alô, alô, saudade sem igual!
Sou irreverente, desfilo alegremente! Contesto a palhaçada, não aquela jocosa, do circo e da marmelada – mas da trapalhada sem fim do Paraíso Tupiniquim.
Sou negro, sou quimbundo, africa’mor que bate mais forte, sou o sonho de Zumbi. Sou a alegria extravasada do samba do povão – sou Bamba, de refrão em refrão por Brasil a fora...
Sou a fé devotada no xirê! Lalupo, lalupo, alupo Bará! Caminhos abertos para a Nação Yorubá. Adupé, yá mi Odoyá! Epaô Babá, Oxalá! Os Bambas fazem a festa em homenagem aos orixás!
Sou magia, sou cultura, a riqueza da alquimia e da fartura de grandes banquetes palacianos. Sou Bambas da Orgia e ninguém vai me derrubar! O Bamba é minha paixão! Brilha como ouro, haja coração!
Sou a sorte, que de um pequenino grão de areia dá a volta por cima e banca o jogo, me fazendo um devaneio em azul e branco, num céu do Olimpo e do mar da mais pura poesia.
Sou a maior e mais linda história de amor, a verdadeira jóia rara, especiaria de valor inestimável! Em seus braços sublimo rumo ao infinito, rogando as bençãos dos deuses e do tempo.

III - “Eu sou o futuro”
E futuro, como vejo? Com saudade! Saudade dos sonhos que criei... Das histórias que sonhei...Dos versos que cantei...Saudade que torna a voltar, lembranças que me trazem a vida!
O tempo que proporciona viagens pelo mundo sideral, num universo de possibilidades – o multiverso da orgia. Encontrar estrelas ao lado dos deuses do samba, dos bambistas; antes na avenida, agora nos iluminam e nos trazem a paz. A vida que vai tão efêmera e volta do infinito, num bonito canto pelos ecos do tempo...
E das crianças, ouço um novo cantar... A semente é jogada e o brilho no olhar se renova nos meus Bambas do Futuro! Canta, meu Bambas do Futuro!
Reviva o Bamba do Força e Luz, das multidões até o dia amanhecer! Do bailar de tuas Estandartes surjam novos amores, edificando novas Oniras e Roses!
E no trovejar da batucada, que escuto desde as saudosas domingueiras do Salão Rui Barbosa, reverbere em notas musicais de celebração a Tio Ciro,Tio Guaraci Cambista, Tio Marino e todos os nossos Doutores em Carnaval.
Celebre a maestria do cortejo do nosso pavilhão empunhado por tantos casais, como Ligia e Fiapo.
Novos magos da arte surjam espelhados por Juarez, Guaracy, Mario Nienov... Vozes marcantes sejam celebradas fazendo-nos crer ser de Jajá ou de Meneca.
Que este sonho, tão alto e fascinante, da tradição de Hemetério, Ariovaldo, Alceu Soares, Seu Nenê, Dona Maria Noronha, Cláudio Vieira e tantos outros, unam em uma só família a celebração de sua glória. É a a escola da minha vida na avenida!

***

Peço licença para dar desfecho, meus filhos, já se faz tarde e está na hora de começar tudo outra vez...
Benditas luzes, almas de bondade! Saravá, negritude aguerrida, agora é com vocês.
Sob a égide de uma mãe madrinha, a Altaneira de Madureira, iluminai estes novos vôos, traga-nos a magia do desfile campeão!
Não há mágica, mas existe uma forma de tornar tudo isso possível, real e infinito. É com a eternidade.
Eternidade alcançada por sempre ser lembrada, por estar gravado no peito e na memória, sendo digno de saudades e... Saudade, quem é que não tem.

Autor: Pedro Linhares

Consultas Realizadas!!!!!

A esta lista, acrescenta-se a série de entrevistas com personagens e membros da história do Carnaval de Porto Alegre e dos Bambas da Orgia, a quem dedico este trabalho.
 DUARTE, Ulisses Corrêa. O Carnaval Espetáculo no Sul do Brasil: uma etnografia da cultura carnavalesca nas construções das identidades e nas transformações da festa em Porto Alegre e Uruguaiana. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Antropologia. UFRGS. Porto Alegre, 2011.
 GARCIA, Heitor Carlos Sá Britto. Fragmentos Históricos do Carnaval de Porto Alegre.
 LAZZARI, Alexandre. Coisas para o povo não fazer: carnaval em Porto Alegre (1870-1915). Edunicamp: Campinas, 2001.
 FERREIRA, Athos Damasceno. O Carnaval pôrto-alegrense no século XIX. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1970.
 GUTERRES, Liliane S. Memórias dos destaques de carnaval de Porto Alegre. Porto Alegre: Unidade Editorial/Secretaria Municipal de Cultura, 2006.
 GUTERRES, Liliane S. Memória do Carnaval do Bairro Santana. Porto Alegre: UE/SMC, 2004.
 KRAWCZYK, Flávio; GERMANO, Iris; POSSAMAI, Zita. Carnavais de Porto Alegre. Porto Alegre: Prefeitura de Porto Alegre/SMC, 1992.
 LEAL, Caroline Pereira. As Mulheres no Reinado de Momo: lugares e condições femininas no carnaval de Porto Alegre (1869-1885). Programa de Pós-graduação em História. PUCRS. Porto Alegre, 2008.
 MAIA, Sandra. Carnaval 2000. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura/Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2000.
 PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: Edufrgs, 2004.
 RAYMUNDO, Jackson. A poética do samba-enredo - A canção das escolas de samba de Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. UFRGS. Porto Alegre, 2015.

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