Samba
de Quilombo: A Resistência Pela Raiz
Estou chegando.
Venho com fé, respeito mitos e tradições. Trago um canto negro e
aquela gente de cor, com a imponência de um rei, vai pisar na
passarela. Vamos esquecer os desenganos, viver a alegria que
sonhamos, mas depois da ilusão…será que o samba ainda está em
nossas mãos?
A poesia do negro
partideiro ficou pra escanteio quando “visual virou quesito”.
Valendo apenas quem se veste mais bonito as custas de muito dinheiro.
Falsos valores escritos por “brancas mãos” de intelectuais e
acadêmicos que invadiram nossos terreiros. Carnaval virou mercado,
produto de Estado. Mas não me incomodem, por favor. Samba é verdade
do povo, ninguém vai deturpar seu valor!
Nasci manifesto,
preto protesto à luz de Candeia, na viola de Paulinho, na poesia de
Nei e Moreira. Batizado pela resistência e bravura de Palmares, da
união e insatisfação de irmãos baluartes. Compositores
“quilombolas” cantando com pés no chão fundaram a “Nova
Escola”.
Em meu pavilhão, o
branco inspirado na simplicidade da paz, sintetizando um mundo de
amor, simbolizado no dourado e lilás. Aqui todos podem colaborar,
mas ninguém pode imperar. A sabedoria é meu sustentáculo e meu
princípio é o amor. Sou a casa da nossa cor, que carrega no peito a
ancestralidade e tradição, desabrocha sua arte e lugar de fala, no
corpo, na voz e nas mãos.
Se manifesta no
girar da baiana; no versar de um partideiro. Por poemas, filmes e
melodias; pelos debates e discursos no terreiro. Movimento pelo
compositor, por reconhecimento das barreiras que preto enfrenta nesse
país. Mas exaltando toda a riqueza de nossa raiz e compreendendo que
o samba é quem faz nossa gente mais feliz. Extraio o belo das coisas
simples que me seduzem, sendo lar de sambista e centro das artes da
negritude.
No barato tecido, um
folclore negro colorido, na cultura popular ancestral, a estampa do
sorriso. Cortejam Afoxés e Macaratus, bailam jongueiros e Lundus. No
balanço de um samba de Caboclo, na ginga de um capoeira; no miudinho
de um Partido Alto, num pandeiro, tamborim e viola que toque a noite
inteira. Não me apavora nem rock, nem rumba e pra acabar com tal de
“soul” basta um pouco de macumba! Girem saias e guias, ecoem
louvores e cantares aos santos, deuses e orixás pelos heróis de
nossa liberdade. Salve Dandara, Ganga Zumba, Luiza Mahin, Maria
Felipa, Manoel Congo. Valeu, Zumbi!
Sai pelas ruas do
centro e dos subúrbios com minhas baianas rendadas, sambando sem
parar. Com minha comissão de frente digna de respeito, carregando no
peito minhas origens através de enredos. Fiz “Apoteose das mãos”
em meu primeiro cortejo, ao som de Martinho devolvi ao estandarte a
história das origens negras “Ao povo em forma de arte”. Pelos
versos de Luiz Carlos, cantei Solano Trindade; pelos versos de tantos
mestres celebrei Zumbi e comemorei os noventa anos da liberdade.
Plantei a semente,
cultivei a raiz, flori e deixei herança. Sou Quilombo! Eu sou o
povo, sou canto, sou dança! Sou Candeia! Sou voz que não cansa de
lutar para negro alcançar seu dia de graça. Então, não negue a
raça! É hora de fazer Kizomba mais uma vez para a Conceição
padroeira abençoar seus filhos quilombolas, que hoje também são da
Formiga e desfilam na avenida todo o nosso cantar. E é por isso que
eu canto…
Axé, Tijuca! Ora yê
yê ô!
Guilherme Estevão
*Inserções feitas
no texto com trechos do Manifesto do G.R.A.N.E.S Quilombo; músicas
“Dia de Graça”, “Nova Escola”, “Sou Mais samba” de
Candeia; “Ao povo em forma de arte” de Martinha da Vila, “Solano,
Poeta do Povo” de Luiz Carlos da Vila e “Visual” de Beth
Carvalho.
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