segunda-feira, 8 de junho de 2020

GRES ACADÊMICOS DO ENGENHO DA RAINHA (RIO DE JANEIRO/RJ)

Sinopse Enredo 2021


PUNGA, CRIOULA!

APRESENTAÇÃO
O GRES Acadêmicos do Engenho da Rainha aquece os seus tambores e viaja à Ilha de São Luís do Maranhão para conhecer uma das suas mais singulares manifestações culturais.
Você já viu o Tambor de Crioula, nego?
Não? Então, venha ver!

“Vem vê, vem vê
Eu demorei, mas cheguei
Vem vê!”*

Na terra da encantaria, as fogueiras estão acesas e os tambores já estão “no ponto”.
Rufam o roncador e o meião, repica o crivador:

“Eu vou fazer baião
Eu vou fazer baião
Tambor pra São Benedito
Paneiro pra São João.”*

Louvado seja São Benedito! Aho gbo gboy, Averekete! Salve os Pretos Velhos!
No toque dos tambores de Mestre Leôncio, de Dona Daíde e da Tenda de Iguaraúna; Minha Ginha e Ginga de Zé Macaco; Lírio, Manto, Terreiro e Mensageiro de São Benedito; Raízes da Terra, de Aruanda, Abanaje-um e Catarina Mina; Amor a São Luís, Alegria do Maranhão e Desejo do Nordeste; Pungar da Ilha, Maracrioula, e Turma dos Crioulos.
Saias rodando, corpos em transe na Ilha do Amor.
Punga, Crioula!
Da roda da saia à roda de samba, a Primeira Academia dá voz ao teu Tambor.

“Ao tambor, quando saio da pinha
Das cativas, e danço gentil,
Sou senhora, sou alta rainha,
Não cativa, de escravos a mil!
Com requebros, a todos assombro
Voam lenços, ocultam-me o ombro,
Entre palmas, aplausos, furor!…
Mas, se alguém ousa dar-me uma punga,
O feitor de ciúmes resmunga,
Pega a taca, desmancha o tambor!”*

* Versos retirados de toadas de Tambor de Crioula.

JUSTIFICATIVA
Única cidade brasileira fundada por franceses, São Luís do Maranhão abriga uma cultura bastante peculiar. A influência de indígenas, franceses, portugueses, holandeses e africanos resultou em lendas e mistérios que emergem das águas que rodeiam a Ilha de Upaon-Açu, carinhosamente chamada de Ilha do Amor.
Dizem que o vai-e-vem das marés é tão forte que até se pode ver um Castelo no fundo do mar! E que um dia, quando o Touro Negro for espetado bem no meio da testa, toda a ilha vai afundar e dará lugar à Cidade Encantada de El-Rei Dom Sebastião!
Mas enquanto o Rei não volta, nas madrugadas de sexta-feira, a alma amaldiçoada de Sinhá Jança, em sua carruagem puxada por uma mula-sem-cabeça e guiada por um escravo igualmente decapitado, passeia entre os casarões azulejados da cidade…
Lá vive um povo festeiro, que dança o cacuriá para o Divino Espírito Santo, cultua o Tambor de Mina e brinca o Bumba-meu-Boi. E nesse conjunto bastante diversificado de manifestações culturais, destaca-se o Tambor de Crioula!
Os homens são os “tambozeiros”, aquecem os tambores no calor das fogueiras e fazem ouvirem-se as suas vozes pela cidade: o tambor grande, o meião e o crivador compõem a parelha; a eles se juntam pandeiros e matracas.
As mulheres são as “coreiras”, que entram na roda e “pungam”. Entram em transe ao som dos tambores e dançam dando umbigadas umas nas outras. Uma vez incorporada, a coreira encontra o mundo dos encantados.
Também chamado de Punga, o Tambor de Crioula é, acima de tudo, uma forma de expressão através da dança, do canto e da percussão. Com toda sua sagrada ancestralidade, os tambores comunicavam simbolicamente a resistência do negro à escravidão. Sua prática teve origem em cerimônias religiosas do século XIX, quando o toque dos tambores foi associado ao louvor a São Benedito, o “santo preto”, com o qual os escravos sincretizaram o vodun Averekete. O tambor é dos santos, o tambor é das entidades.
O Tambor de Crioula tem voz! A negra voz, que para não se calar, reverberou no couro e nos corpos, rememorando a essência da liberdade perdida com a escravidão.
O Tambor de Crioula tem mistérios invisíveis! O transe libertava as almas de corpos aprisionados, garantindo aos escravos a resistência espiritual necessária para suportar os sofrimentos.
O Tambor de Crioula é dos antigos! Sua história é contada pela memória dos mais velhos.
Assim como o samba, por longo tempo foi proibido, perseguido e marginalizado, mesmo após o fim da escravidão. Apesar disso, encantou o escritor modernista Mário de Andrade em sua Missão de Pesquisas Folclóricas, realizada em 1938, quando se referiu ao Tambor de Crioula como “dança de feitiçaria”.
Declarado Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2007, o Tambor de Crioula é praticado ao longo do ano inteiro, mas tornou-se uma das manifestações mais importantes do carnaval de São Luís.
Tanto lá quanto cá, as vozes dos tambores se intensificam em fevereiro!
E no Rio de Janeiro… a Primeira Academia, pioneira que nem ela só, mescla a toada com samba e abre a roda pro povo dançar.
É carnaval! Punga, crioula! Com as bençãos de São Benedito, no Morro do Engenho ressoa o teu tambor!

SINOPSE

Do mundo dos encantados
Dos mistérios desse chão
É tambor ou brincadeira
De crioula, é Maranhão.

É matriz afro-brasileira
É samba, toada, religião
É canto, música e dança
Patrimônio, cultura e expressão.

Acóssi, Divino Espírito Santo.
Nhá Jança, vade retro assombração!
Touro Negro, estrela na testa,
Viva Dom Sebastião!
É Bumba-meu-boi
Na festa da devoção!

Crença, povo, identidade
Jogo, transe, ressignificação
Negra herança e irmandade,
Arte, riqueza e tradição.

Na fala do corpo
Na voz do tambor
Pererenga, crivador,
Rufador, meião
Coro, poesia e história
Resistência à opressão.

Festejo de liberdade
Desde os tempos da escravidão
Tambor de crioula, do Norte
É saber, memória e transmissão.

Dos antigos, dos Pretos Velhos
Ancestral manifestação
Mestre, “tambozeiro” e coreira
Aho gbo gboy, Averekete!
É vodun, é louvação.

Da roda da saia
À roda de samba
tudo gira, tudo roda:
– toada, toque, tambor,
improviso, umbigada,
requebros e rodopios -.
Tudo é dança e circular.
Jeje Mina, Ouidah!
O mi manlan, ô mimalá.

Na batida, a saudação.
No convite, o chamado.
Fogo, fogueira e fogão.
Na roda, a saia rodada
De renda, cetim ou chitão.

Para brincar o carnaval
Ou festejar São João,
O som é o batuque dos tambores
de São Luís ao Rio de Janeiro em comunhão.

Ê, tambor, eu tô chegando…
Co’as bençãos de São Sebastião.
Valha-me Deus, Nossa Senhora!
Nossa Senhora da Conceição.

Os tambores do Engenho da Rainha
Saúdam os do Maranhão
Ressoa uma “toada-enredo”
A parelha em vibração
com matraca, pandeiro
E tamborim na marcação.

Samba, crioula!
Punga, cabrocha!
Pisa forte nesse chão!

De São Benedito, a bênção
À Primeira Academia:
um desfile campeão!

Carnavalesco: Leo Jesus
Autores da Sinopse: Leo Jesus e Lucia Helena Ramos

GLOSSÁRIO
Acóssi (Acóssi Sapatá, Acossapatá) – Divindade Jeje (Vodun) cultuada no Tambor de Mina. Curador e cientista, conhece o remédio para todas as doenças.
Averekete – Divindade Jeje (Vodun) cultuada no Tambor de Mina. Sábio e dinâmico, é responsável pela arrebentação marinha e apresenta-se como um pescador.
Cacuriá – Dança típica do Maranhão, surgida como parte das festividades do Divino Espírito Santo.
Jeje Mina – também conhecido como Tambor de Mina, é o culto dos Vodun praticado no Maranhão, proveniente da Costa da Mina, região do Daomé.
O mi manlan (pronuncia-se “ô mimalá”) – Expressão na língua fon (falada pela Nação Jeje) que significa “louvamos”.
Ouidah (pronuncia-se “Uidá”) – antigo cidade no litoral do Daomé onde os portugueses construíram a Fortaleza de São João Baptista d’Ajudá, entreposto onde eram embarcados os africanos escravizados da Nação Jeje, que foram levados para o estado do Maranhão.
Parelha – conjunto de três tambores que fazem a percussão do Tambor de Crioula, feitos de troncos de mangue, pau d’arco, soró ou angelim. O tambor pequeno é conhecido como crivador ou pererenga; o médio é chamado de meião, meio ou chamador e o grande também pode ser chamado de roncador ou rufador.

BIBLIOGRAFIA
ALVARENGA, Oneyda. Tambor de mina e tambor de crioula. Registros sonoros do folclore musical brasileiro. São Paulo: Discoteca Pública Municipal, 1948.
BARBOSA, Yêda (coord.). Tambor de Crioula do Maranhão. Brasília: IPHAN, 2016.
CAMARA CASCUDO, Luis. Dicionário de Termos Folclóricos. São Paulo: Editora Global, 2000.
FERRETTI, Mundicarmo. Pureza nagô e nações africanas no tambor de mina do Maranhão. Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre, ano 3, n. 3, p. 75-94, out. 2001.
FERRETTI, Sergio. Tambor de Crioula Ritual e espetáculo. São Luís: Edições SECMA, COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE e LITHOGRAF, 1995.
____________. Mário de Andrade e o Tambor de Crioula do Maranhão. Revista Pós Ciências Sociais, São Luís, v.3, n.5, jan./jul. 2006.
MONTELLO, Josué. Os Tambores de São Luís. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985.
RAMASSOTE, R (coord.). Os Tambores da Ilha. São Luís: IPHAN, 2006.
SÃO LUÍS DORME AO SOM DOS TAMBORES. Direção de Sérgio Sanz, 2007. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=p3NyNIGLZ0A
SILVA, Renata de Lima. Sambas de umbigada: considerações sobre jogo, performance, ritual e cultura. Textos escolhidos de cultura e arte populares, Rio de Janeiro, v.7, n.1, p. 147-163, mai. 2010.
VIEIRA FILHO, Domingos. A linguagem popular do Maranhão. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica, 1979.

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