Sinopse enredo 2021
Empretecer
o Pensamento É Ouvir a Voz da Beija-Flor
Sinopse
Este
enredo é de autoria coletiva. Foi escrito pelas mãos, vozes e
memórias de cada componente da nossa comunidade.
A
imagem do Pensador, a bela estatueta do povo tchowkwe, que habita a
região Nordeste de Angola, inspira-nos a levar para a Avenida um
enredo sobre a contribuição intelectual negra para construção de
um Brasil mais africano. Nossa civilização conhece e respeita os
pensamentos esculpidos em mármore greco-romano. Mas por que não
talhar os saberes em ébano? Empretecer o pensamento do mundo é dar
a toda a humanidade a oportunidade de uma visão diferente e
original, com novos caminhos para o futuro, estabelecendo outras
rotas possíveis.
Ao
longo do tempo, foram grafadas em pedras duras imagens estereotipadas
da África como um ajuntamento de sociedades tribais destituídas de
pensamentos e tecnologias. Isto nos impede de ver o legado e a
diversidade dos povos e refletir sobre a possibilidade de empretecer
o conhecimento humano.
Muitas
vezes enquadrada no campo do primitivo e do exótico, nossa forma
sofisticada de ver o mundo é desvalorizada por estruturas coloniais
racistas que desprezam a riqueza intelectual que produzimos.
Por
isso, mais do que nunca, é hora de inspirar mentes, trabalhar pelo
“reencantamento” de tudo, e talhar em madeira forte nossos
saberes, feito sementes espalhadas por soberanos pássaros de ébano.
"No
caminho da luz, todo mundo é preto"
(Emicida)
A
diáspora do pensamento negro é um jogo de espelhos que faz refletir
por muitas e muitas terras, povos e gerações o valor da nossa
gente. Um negrume multicor que construiu monumentos em eras
gloriosas, e que também passou a sofrer constantes tentativas de
apagamento e silenciamento. Mas o legado dos nossos ancestrais
persiste nas cores e nas formas que se afirmam pujantes, assim como a
saga do nosso povo. Em muitos tons de negro, erguemos totens,
esculpimos imagens de adoração de muitas fés, trançamos palha e
fibra, entrelaçamos referências, bordamos a geometria das coisas e
dobramos o tempo. Como num colar multicor, colocamos nos fios das
artes visuais as mais raras pérolas e as contas mais sagradas dos
nossos antepassados.
A
costura de um tecido de pensamentos sofisticados se dá a partir dos
ensinamentos dos antigos para constituirmos a “afrosofia” de
hoje. Em memórias transmitidas de geração a geração, somos
sujeitos de poder, guiados pelos ancestrais. Produzimos jeitos
diversos de pensar o sentido de um mundo plural, mesmo que máscaras
brancas sejam colocadas sobre a pele negra. Falamos e escrevemos em
bom “pretuguês”, para o mundo inteiro ouvir, o valor das nossas
reflexões que se desdobram em ações afirmativas. A voz da
intelectualidade altiva e forte se ergue contra as desigualdades,
propondo novos caminhos para transformar a realidade em que vivemos.
É o levante quilombista em nome de uma sociedade mais justa!
A
escrita de nós sobre nós faz emergir uma literatura que não se
limita à entronização de heróis coloniais. Nossos personagens são
escritos nas frestas, somos filhas e filhos do cotidiano e do épico,
da dor e do prazer, dos movimentos sociais e das reflexões
coletivas. As fraturas do processo escravocrata se manifestam na
inquietação das palavras de azeviche. Imagens “poétnicas” de
potência avassaladora, original e amplificadora de sentimentos e
revoltas. São faíscas literárias que encandeiam ideias retintas e
permitem reescrever mais e mais Brasis.
Sob
as luzes – e às vezes sob as sombras - da ribalta, encenamos a
liberdade como texto primordial. Nos palcos do Teatro Experimental do
Negro, invocamos a energia vital dos antepassados, espelhando a fúria
e a brandura das divindades. Alegria e manifestação! Articulações
engajadas fazem com que se multipliquem nomes e mais nomes entre a
“grande constelação das estrelas negras”. São a essência do
vigor dos nossos passos, da expressão maior dos nossos sonhos e dos
nossos corpos instruídos de energia e técnica. Somos constante
movimento, pois somos filhos de deuses que dançam!
Agora
cessem tudo o que antiga musa canta, porque uma flor nasceu no
asfalto… E será cortejada por um pássaro de ébano, mestre-sala
dos ventos a lufar sementes do samba, criação preta em essência.
Filosofia em tambor sincopado que se transformou no maior espetáculo
do ayê. Que possamos celebrar a arte que se afirma em cada Carnaval
quando uma voz canta e um corpo responde “ao ressoar do som de um
tambor”.
Maravilhosa
e soberana é a nação que anualmente ritualiza e espalha seus
saberes ancestrais. Em Apoteose, vamos elevar nosso cantar feliz a
Cabana, o pensador de ébano que, com suas composições e enredos,
ajudou a esculpir o Beija-flor no terreiro sagrado do Carnaval.
A
ele e todos os ancestrais do samba, dedicamos nosso desfile,
exaltando a memória e o trabalho intelectual do povo preto, e
evocando o símbolo adinkra do pássaro que, com os pés fincados no
chão, olha para trás para poder agir no presente e seguir rumo ao
futuro.
Epílogo
A
Beija-Flor de Nilópolis, como referência cultural formada
essencialmente pelo povo negro da Baixada Fluminense, ao voltar a
propor um enredo tendo foco central a intelectualidade negra,
reafirma as pautas sociais cujas demandas passam pela defesa do
sistema de cotas raciais e pelo cumprimento da Lei 10.639 (atualizada
pela Lei 11.645), que trata da obrigatoriedade do ensino da história
e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Repudia ainda
qualquer discriminação religiosa contra o nosso povo, reafirmando a
laicidade do Estado brasileiro. E, por fim, torna-se mais uma voz a
se levantar contra a violência no país, que tem atingido
especialmente corpos negros, vítimas do racismo estrutural que
vigora no país. Basta! Seus filhos já não aguentam mais!
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