Portela e Mangueira enfrentam crises financeira e política a 71 dias do desfile das escolas de samba
Problemas como atrasos nos pagamentos afetam a azul e branco; já na verde e rosa, processo eleitoral que definiria presidente foi anulado
RIO — A 71 dias dos desfiles, as duas escolas de samba mais tradicionais do Rio, Portela e Mangueira, enfrentam crises políticas e financeiras que já põem em risco o desempenho das duas agremiações na Sapucaí em 2013. Na azul e branco, atrasos nos pagamentos de funcionários e de contas forçaram o cancelamento de ensaios, levaram a ameaças de pedidos de demissão e prejudicam o ritmo de trabalho no barracão. Para agravar, problemas nas prestações de contas de carnavais anteriores geram impedimentos para captação de recursos, como os da Lei Rouanet. Já na verde e rosa, o processo eleitoral que definiria o presidente foi anulado pela Justiça, enquanto a confecção de alegorias e fantasias segue a passos lentos.
Como publicou a coluna de Ancelmo Gois na quinta-feira, a situação de Portela e Mangueira — as únicas que participam dos desfiles principais desde a primeira disputa, em 1932 — já preocupa até a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa). Na semana passada, adiantou o colunista, foi dito numa reunião de dirigentes do Grupo Especial que, das duas agremiações, “só saem más notícias”.
A escola de Madureira, que completa 90 anos em 2013, ainda não conseguiu prestar contas do desfile de 2012. Por isso, não pode obter novos recursos pela Lei Rouanet. Além disso, a Portela foi incluída no Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim), divulgado pela Controladoria Geral da União (CGU), também por irregularidades em prestações de contas, referentes a recursos de R$ 525 mil do Ministério do Turismo no carnaval 2006, sobre a Marca Brasil, e de R$ 1,8 milhão recebidos do Ministério do Esporte para o carnaval 2007, sobre os Jogos Pan Americanos no Rio. Em ambos os casos, a escola consta como inadimplente. No caso de 2007, o Ministério do Esporte afirma que a prestação foi reprovada porque a Portela não apresentou documentos que atestassem a aplicação regular da verba.
Quadra sem luz
Com isso, de acordo com a CGU, a escola não pode realizar novos convênios ou contratos com a esfera federal. No entendimento da controladoria, fica ameaçada até a verba de R$ 1 milhão (cerca de 20% da receita das escolas, sem contar patrocínios) que cada agremiação do Grupo Especial normalmente recebe da Petrobras. Em dificuldades financeiras, um ensaio de bateria na quadra foi cancelado porque a luz tinha sido cortada, no início do mês. A dívida de R$ 22 mil já foi paga. À Cedae, segundo consulta no site da companhia, a escola deve R$ 282 mil referentes a sua quadra em Madureira, reformada com verbas de R$ 3,1 milhões da prefeitura do Rio. No domingo passado, um ensaio de rua foi cancelado, por atraso de dois meses no salário do intérprete Gilsinho e dos demais integrantes do carro de som. O carnavalesco Paulo Menezes, por exemplo, tem dois meses de salários atrasados. Ele afirma, porém, que numa reunião esta semana com o vice-presidente da agremiação, Nilo Junior, filho do presidente Nilo Figueiredo, foi pedido “um voto de confiança”, porque os pagamentos seriam feitos.
— Realmente a Portela vive um período conturbado, o que atrasa o barracão. Entendo as dificuldades. Mas é preciso se levar em conta que o carnaval tem etapas que precisam ser cumpridas. Assino o carnaval, não assino cheque — disse ele em relação à falta de dinheiro para seguir o planejamento de confecção do desfile. — Não poderia abandonar o barco. Estaria deixando para trás o sonho de uma torcida apaixonada e meu também, que sempre quis fazer o carnaval dos 90 anos da Portela.
A situação preocupa até figuras renomadas da agremiação, como o compositor e cantor Monarco:
— Algo de errado está acontecendo. O presidente deve vasculhar a escola para descobrir.
Muitas das críticas recaem sobre o presidente Nilo Figueiredo. Torcidas organizadas como a Guerreiros da Águia e segmentos da escola têm se mobilizado. E apontam o nome do PM Marcos Falcon como um dos possíveis concorrentes da oposição para a eleição de maio de 2013. Falcon — que chegou a ser acusado de integrar milícias, mas que foi absolvido este ano — ainda não se lançou candidato.
Nos bastidores é discutida a convocação de uma assembleia geral extraordinária para discutir o futuro portelense. Um quinto dos sócios poderia convocar a reunião, que precisaria da presença de dois terços deles. Mas a oposição diz não saber quantos são os sócios habilitados a votar. Até uma notificação extrajudicial foi feita solicitando informações à escola.
Vice-presidente da Portela, Nilo Júnior admite que a escola passa por dificuldades, e as atribui à demora na entrada de aportes financeiros no caixa. Quanto à prestação de contas do ano passado, ele afirma que a administração tenta fechá-la. E tem esperança de, ainda para este carnaval, poder captar dinheiro pela Lei Rouanet. Ele diz desconhecer os impedimentos para receber verbas federais. Sobre contas e salários atrasados, afirma que estão sendo pagos:
— Vamos sanar a dificuldade e reverter a situação. Num momento desses, contamos com a compreensão da nossa mão de obra.
Já na Mangueira, desde abril a situação é de indefinição. O processo eleitoral da escola foi parar na Justiça após uma série de acusações envolvendo as três chapas concorrentes, duas de oposição e a da reeleição do atual presidente Ivo Meirelles. Novo pleito só deve acontecer no fim de fevereiro.
A escola levará para a avenida um enredo sobre Cuiabá, pelo qual deve receber um patrocínio de R$ 3,6 milhões. Mas segue com os portões do barracão fechados, na Cidade do Samba. Poucos funcionários são vistos em atividade e os carros alegóricos do último desfile ainda não foram desmontados para a confecção dos novos. Segundo fontes da escola, o cronograma está atrasado e a agremiação deverá criar turnos extras de trabalho para conseguir concluir seu projeto. Os salários dos funcionários chegaram a atrasar, mas, na semana passada, Ivo Meirelles teria reunido sua equipe para acertar os pagamentos. A direção da escola não se pronunciou até o fim da noite de quinta-feira.
Da Coreia à Alemanha em quatro dias de desfiles
A Marquês de Sapucaí vai receber, no próximo carnaval, 31 escolas em quatro dias de desfiles. Além das 12 escolas do Grupo Especial, no domingo e segunda-feira; outras 19 agremiações do novo Grupo de Acesso A irão se apresentar nas noites de sexta-feira e sábado. O grupo, do qual apenas uma escola subirá para o Especial, conta com agremiações tradicionais como Império Serrano, Viradouro e Estácio de Sá, além de novatas como Sereno de Campo Grande e União do Parque Curicica.
Nos quatro dias de desfile, enredos inusitados prometem divertir e emocionar. No Grupo Especial, apenas duas escolas terão temas que não são patrocinados: Portela, que vai cantar o bairro de Madureira, e União da Ilha, que vai homenagear Vinícius de Moraes.
A atual campeã, Unidos da Tijuca, fará um desfile sobre a Alemanha. Por sua vez, a estreante Inocentes de Belford Roxo, que abre o desfile de domingo, falará da Coreia do Sul.
Já a Mangueira, a Imperatriz e Vila Isabel também preferiram falar sobre Cuiabá, sobre o Pará e sobre o interior do Brasil, respectivamente.
Haverá outros temas curiosos. Beija-Flor cantará os cavalos, e Grande Rio falará dos royalties do petróleo. A Mocidade levará o Rock in Rio para o sambódromo, o Salgueiro mostrará a busca pela fama, e a São Clemente cantará telenovelas de sucesso.
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