“O
ACÓLITO DO REI - AS MEMÓRIAS DO PADRE PERERECA”
Era
sábado, em mil setecentos e sessenta e sete, num dia vinte e cinco
do mês de Abril. Nascia o menino Luiz Gonçalves dos Santos numa
terra chamada Brasil. Figura pra lá de pitoresca, de corpo franzino
e cabeça gigantesca, olho esbugalhado e um futuro tanto quanto
estudado, muitos anos depois, chegando até a ser cantado e contado
em avenida popular e irreverente por uma escola azul e branca chamada
Independente.
O
menino de corpo engraçado, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Pretos foi batizado. Um recanto especial, era da cidade a
catedral, que viria a ser local da grande memória do pequeno Luiz.
Bons anos depois, religioso foi iniciado, cônego formado e pela
colônia batizado como Padre Perereca. Tornou-se figura
importante nesse rincão, tinha a mais completa devoção pelo seu
rei, o sexto Dom João. Como padre da capela imperial, acompanhava
com ansiedade a vinda da “augusta rainha e o teu excelso príncipe
com sua família real”.
Em
sete de março do oitavo ano depois de mil e oitocentos, a corte
estava a caminho do Rio de Janeiro, “a cidade mais ditosa do Novo
Mundo!”. Seriam “as primeiras majestades que o hemisfério
austral viu e conheceu". Perereca encarava a aventura como ato
de bravura, o que na verdade não passou de uma grande fuga, de um
Napoleão que prometeu invadir Portugal, por ser recusarem a aplicar
o Bloqueio Continental.
Um
primeiro desembarque foi frustrado. A nau atracou em lugar errado,
ampliando a ansiedade de Perereca com a chegada de seu rei.
Desembarcaram em Salvador e por lá sua Alteza um mês ficou.
Enquanto isso, os preparativos na terra de São Sebastião se
intensificavam, o Vice-Rei muita gente desalojava, para dar moradia
aos portugueses que chegariam. As mazelas dessa colônia injusta e
desorganizada eram minimizadas pelos relatos do Padre, que acreditava
que viveriam um outro momento, de progresso e desenvolvimento.
Como
bom acólito, ou “puxa-saco” no atual português, registrou o tão
sonhado dia com a grandiosidade que se pedia, ou a que, na verdade,
ele gostaria. Depois de três meses e uma semana de viagem, “eram
duas ou três horas da tarde (...) desde a aurora, o sol nos havia
anunciado, apartando a si todo obstáculo, como se regozijava de
presenciar a triunfante entrada do primeiro soberano da Europa na
mais afortunada cidade do Novo Mundo”. Empregado de tamanha
louvação, Perereca se estendeu na descrição enumerando a comitiva
que esperava para receber D. João.
No
desembarque, a corte “caminhava sobre um chão coberto de areia e
ervas odoríferas. Um coreto junto à rua do Rosário fazia ouvir
melodiosas vozes instrumentais como vocais, entoando hinos de júbilo
e louvor a Sua Alteza Real”. Nesse cenário maravilhoso e festivo,
o acesso ao Rei era restrito a figuras importantes da colônia
brasileira.
Fazia-se
festa na Igreja do Rosário, onde menino Perereca foi batizado, mas
ouvia-se o batuque com o povo pobre que do lado de fora ficou
alojado. Os sons que às festas e ritos católicos foram
miscigenados, construindo, com a vinda do Rei, um novo calendário.
Com
a chegada de D. João, o Brasil passou a viver, segundo Perereca,
tempos de “felicidade, honra e glória”. Dessa maneira, foi
escrevendo a história, tornando-se o primeiro redator da Imprensa
Régia e consolidando a oficial memória desse país. Relatou as
transformações que a colônia sofreu, como a abertura dos portos se
deu, até o momento em que Sua Alteza, para a sua tristeza, à
Portugal volveu.
Mas
em todos as suas crônicas e narrativas apenas um olhar aparecia,
ignorando, de forma até cômica, os problemas que aqui surgiam. Um
jeitinho “pererequês” que brasileiro se fez. Construindo um
olhar maravilhoso de um governo, exaltando seu “soberano”, que
deixa de ser humano e se torna Deus. Omitindo o que o povo sofre,
renegado a própria sorte e consciência. Qualquer semelhança com os
tempos de agora é mera coincidência...ou não.
Quantos
Pererecas esse Brasil já construiu? Se antes lançavam livros, hoje
lançam fake News. Mas no fim, quem vive por aqui sabe, que de
Perereca em Perereca o brejo continua o mesmo nesse país engraçado
e pitoresco que luta por igualdade e tem na paz o seu maior desejo.
Texto
e desenvolvimento: Guilherme Estevão
Autoria
do enredo: Ariel Portes e Guilherme Estevão (Departamento Cultural)
Carnavalesco:
Marcos Januário
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