quinta-feira, 27 de junho de 2019

GRES INDEPENDENTE DE OLARIA (RIO DE JANEIRO/RJ)

“O ACÓLITO DO REI - AS MEMÓRIAS DO PADRE PERERECA”


Era sábado, em mil setecentos e sessenta e sete, num dia vinte e cinco do mês de Abril. Nascia o menino Luiz Gonçalves dos Santos numa terra chamada Brasil. Figura pra lá de pitoresca, de corpo franzino e cabeça gigantesca, olho esbugalhado e um futuro tanto quanto estudado, muitos anos depois, chegando até a ser cantado e contado em avenida popular e irreverente por uma escola azul e branca chamada Independente.
O menino de corpo engraçado, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi batizado. Um recanto especial, era da cidade a catedral, que viria a ser local da grande memória do pequeno Luiz. Bons anos depois, religioso foi iniciado, cônego formado e pela colônia batizado como Padre Perereca.  Tornou-se figura importante nesse rincão, tinha a mais completa devoção pelo seu rei, o sexto Dom João. Como padre da capela imperial, acompanhava com ansiedade a vinda da “augusta rainha e o teu excelso príncipe com sua família real”.
Em sete de março do oitavo ano depois de mil e oitocentos, a corte estava a caminho do Rio de Janeiro, “a cidade mais ditosa do Novo Mundo!”. Seriam “as primeiras majestades que o hemisfério austral viu e conheceu". Perereca encarava a aventura como ato de bravura, o que na verdade não passou de uma grande fuga, de um Napoleão que prometeu invadir Portugal, por ser recusarem a aplicar o Bloqueio Continental.
Um primeiro desembarque foi frustrado. A nau atracou em lugar errado, ampliando a ansiedade de Perereca com a chegada de seu rei. Desembarcaram em Salvador e por lá sua Alteza um mês ficou. Enquanto isso, os preparativos na terra de São Sebastião se intensificavam, o Vice-Rei muita gente desalojava, para dar moradia aos portugueses que chegariam. As mazelas dessa colônia injusta e desorganizada eram minimizadas pelos relatos do Padre, que acreditava que viveriam um outro momento, de progresso e desenvolvimento.
Como bom acólito, ou “puxa-saco” no atual português, registrou o tão sonhado dia com a grandiosidade que se pedia, ou a que, na verdade, ele gostaria. Depois de três meses e uma semana de viagem, “eram duas ou três horas da tarde (...) desde a aurora, o sol nos havia anunciado, apartando a si todo obstáculo, como se regozijava de presenciar a triunfante entrada do primeiro soberano da Europa na mais afortunada cidade do Novo Mundo”. Empregado de tamanha louvação, Perereca se estendeu na descrição enumerando a comitiva que esperava para receber D. João.
No desembarque, a corte “caminhava sobre um chão coberto de areia e ervas odoríferas. Um coreto junto à rua do Rosário fazia ouvir melodiosas vozes instrumentais como vocais, entoando hinos de júbilo e louvor a Sua Alteza Real”. Nesse cenário maravilhoso e festivo, o acesso ao Rei era restrito a figuras importantes da colônia brasileira.
Fazia-se festa na Igreja do Rosário, onde menino Perereca foi batizado, mas ouvia-se o batuque com o povo pobre que do lado de fora ficou alojado. Os sons que às festas e ritos católicos foram miscigenados, construindo, com a vinda do Rei, um novo calendário.
Com a chegada de D. João, o Brasil passou a viver, segundo Perereca, tempos de “felicidade, honra e glória”. Dessa maneira, foi escrevendo a história, tornando-se o primeiro redator da Imprensa Régia e consolidando a oficial memória desse país. Relatou as transformações que a colônia sofreu, como a abertura dos portos se deu, até o momento em que Sua Alteza, para a sua tristeza, à Portugal volveu.
 Mas em todos as suas crônicas e narrativas apenas um olhar aparecia, ignorando, de forma até cômica, os problemas que aqui surgiam. Um jeitinho “pererequês” que brasileiro se fez. Construindo um olhar maravilhoso de um governo, exaltando seu “soberano”, que deixa de ser humano e se torna Deus. Omitindo o que o povo sofre, renegado a própria sorte e consciência. Qualquer semelhança com os tempos de agora é mera coincidência...ou não.
Quantos Pererecas esse Brasil já construiu? Se antes lançavam livros, hoje lançam fake News. Mas no fim, quem vive por aqui sabe, que de Perereca em Perereca o brejo continua o mesmo nesse país engraçado e pitoresco que luta por igualdade e tem na paz o seu maior desejo.
Texto e desenvolvimento: Guilherme Estevão
Autoria do enredo: Ariel Portes e Guilherme Estevão (Departamento Cultural)
Carnavalesco: Marcos Januário 

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