quarta-feira, 20 de maio de 2015

SC MORRO DA CASA VERDE (SÃO PAULO/SP)

Sinopse Enredo 2016



INTRODUÇÃO

O dia começava agitado na Sede da Escola de Samba Morro da Casa Verde situada na zona norte de São Paulo. Era a primeira vez que a Agremiação preparava um evento em homenagem aos 13 de maio, dia de “Preto Velho”, e a proximidade da data fazia com que todos os diretores da Escola estivessem envolvidos no assunto. Durante a faxina feita no local dos ensaios, o zelador da Escola percebe uma água minando embaixo do altar onde está colocada uma imagem dedicada a São Jorge, o santo protetor da Agremiação. Alguns diretores ficam intrigados por se tratar de uma área onde não havia possibilidade de vazamento de nenhuma tubulação. No dia seguinte, surge na comunidade vários comentários de pessoas que teriam ouvido vozes vindas de dentro da Sede, tarde da noite, no momento em que a Escola permanecia fechada.
A partir daí, diversos fenômenos estranhos são constatados por componentes da Escola. Algumas crianças que brincavam próximas a Sede, afirmaram ter visto um grupo de homens negros seminus, vestidos com peles brancas e com lanças na mão, diante da fachada principal, como se fossem guardiões. Nada é levado em consideração até que uma antiga diretora testemunha ter visto vultos rondando o local durante uma reunião.
A notícia se espalha com rapidez pelas redes sociais. A Presidente da Escola a Senhora Laurinete Nazaré da Silva Campos, carinhosamente conhecida no Mundo do Samba como Dona Guga, é procurada por um jornal do bairro querendo fazer uma matéria sobre o assunto. Dois dias depois aparece outra matéria num jornal de maior circulação. Assustada com toda a repercussão ás vésperas de um evento importante, a Presidente é aconselhada por seu Diretor de Carnaval, Tatá, a procurar a ajuda de um centro Kardecista.
Médiuns do centro se predispõem a ir até o local de ensaios da Escola. É colocada uma mesa forrada com linho branco bem no centro da Sede e os médiuns fazem uma corrente de orações pedindo que o espírito ou espíritos que estão rodeando o local se manifestem.
Três dias seguidos se passam com os médiuns se reunindo sem grandes resultados, até que, na véspera do dia 13 de maio, por volta das 15 horas da tarde, no momento em que vários curiosos encontravam-se no local, o médium Wladimir dos Santos, o mais antigo do centro Kardecista percebe uma presença e, auxiliado por duas assistentes, pede uma quantidade de folhas e uma caneta.
Ele afirma estar em contato com um Espírito de Luz que tem uma mensagem destinada aquela Agremiação. O médium coloca-se em posição de escrita. Em poucos segundos sua fisionomia se transforma, causando apreensão e silêncio em todo o ambiente. Ele escreve aceleradamente e vai passando as folhas para a médium assistente que começa a ler uma a uma. Nelas se manifestam as palavras de um Espírito que se apresenta como Dom Afonso I e a partir daí, os curiosos e componentes da Agremiação são testemunhas de um relato impressionante que surpreende a todos os presentes...

Enredo - Mzemba-a-Nzinga, Dom Afonso I - Um Rei Cristão no Império Africano do Congo

SINOPSE

(Relato do Espírito Dom Afonso I, psicografado pelo médium Wladimir dos Santos).

- Meu boa tarde a todos os presentes... Boa tarde a todos os homens de muita fé, e um boa tarde ainda mais especial para aqueles que são de pouca fé. É com a graça e permissão de Nosso Senhor Jesus Cristo que eu incorporo o aparelho desse amigo que possibilita que eu faça contato com vosmicês. Quem vos fala nesse instante é um Espírito Guerreiro, um Espírito de Luz...
Eu me chamo Mvemba-a-Nzinga, mas há muitas luas desse tempo em que vosmicês se encontram, lá no berço do mundo... Na nossa Mãe África, numa vasta região de terra conhecida como Congo, eu era chamado de Mani-Congo. Pra quem não conhece o antigo dialeto africano, Mani quer dizer, Dono... Senhor... Rei... É isso mesmo senhores, não carece de ninguém se curvar, mas saibam que nesse momento vosmicês estão diante de um Rei... Eu pertenço a uma linhagem de antigos Reis do Congo.
E lhes digo, sem nenhuma modéstia, que certamente muitos de vosmicês já ouviram falar de mim porque eu fui o mais importante e poderoso Rei da História daquela região. Eu era o Senhor de uma legião de vassalos que viviam em tribos e aldeias em torno da cidade onde eu morava e de lá governava a tudo e a todos. Era, na África Medieval, como um sistema muito semelhante à organização “feudal” dos homens brancos.
Eu era Dono de uma terra rica em minas de cobre e o esplendor deste mineral era usado no meu reino de diversas formas: Como utensílios domésticos, nas armas de guerra, como adornos e bijuterias e até em peças esculpidas por artesãos. A quantidade de minas era tanta que a poeira do cobre extraído revestia a pele dos mineradores e as plantações em torno de sua localização, o que historicamente, fez com que a região do Congo ficasse conhecida como o “O Império do Cobre”
Mas esta não era a nossa única fonte de riqueza. A caça aos elefantes era uma das nossas principais atividades econômicas e o marfim por eles fornecido também servia de matéria prima para os meus artesãos que transformavam os chifres brutos em belas esculturas, objetos de arte e enfeites que deslumbravam os chefes de outras Nações Africanas.
Sendo uma região com uma fauna muito rica, com lindos exemplares de girafas, antílopes, panteras negras, leões, tigres e outros felinos, éramos uma imensa tribo de caçadores e a opulência das peles desses animais abatidos servia não só como produto de comércio com outros povos vizinhos, mas também como enfeites para nossas próprias vestimentas. E isso enriquecia ainda mais a nossa indumentária que era constituída de uma gama de tecidos multicoloridos com padronágens e motivos africanos que enchiam os olhos dos visitantes.
Tínhamos também nossa própria moeda. Eram búzios que recolhíamos no mar e chamávamos de “caurís”, eles serviam como unidade de troca nas atividades comerciais. E a nossa agricultura era vasta, repleta de árvores frutíferas, com especial destaque para as nossas plantações de bananas e mangas. Esses artigos... Todos juntos, constituíam a base econômica do meu Império.
Éramos uma Grande civilização!!! E como toda civilização também possuíamos a nossa própria religião que era baseada no culto a ancestralidade. Ao contrário de outras regiões da África que cultuavam vários deuses identificados diretamente com as forças da natureza. Nós, o Povo Banto, acreditávamos na proteção dos nossos ancestrais que, como espíritos de luz, viviam num plano superior junto a um único Deus, um ser Supremo que residia num lugar sagrado cercado por bosques e rios secretos, onde se encontrava todo o segredo da vida.
Quando as caravelas portuguesas, em sua segunda expedição a África, cruzaram as águas do Atlântico e chegaram à baía do Congo por volta do ano de 1491, quase no século XVI, eu era apenas um jovem príncipe, filho do Mani-Congo Nzinga-a-Nkuwu. O fato dos portugueses surgirem das águas com sua pele branca, vestimentas incomuns e pregando uma nova religiosidade baseada na existência de um único Deus, fez com que acreditássemos que os “irmãos” portugueses eram os enviados dos nossos antepassados para nos direcionar para a prosperidade eterna.
Seduzido pelos ideais do cristianismo, meu pai foi convertido pelos sacerdotes portugueses e batizado com o nome de Dom João I, em homenagem ao Rei de Portugal, tornando-se o primeiro Rei de uma dinastia de Reis Cristãos na História do Congo, e eu, como príncipe, fui honrosamente batizado com o nome de Dom Afonso I, em homenagem ao príncipe português.
Quando meu pai fez sua passagem para o mundo dos mortos a questão religiosa ainda não estava totalmente definida no Reino do Congo. A monogamia exigida pelo catolicismo era um dos principais fatores que desagradavam aos nobres congoleses, mesmo para aqueles que enxergavam no cristianismo uma religião mais perfeita que a nossa, haviam obrigatoriedades exigidas na fé cristã que não condiziam com as tradições e aspectos culturais dos congoleses.
Meu irmão, Mpanza-a-Kitima, que não quisera ser convertido, revindicou seu direito ao trono e a restauração da antiga religião, e foi apoiado pelo exército português, e por meus guerreiros cristãos que eu, como “príncipe missionário” e difusor da fé cristã, comandei uma verdadeira cruzada contra meu irmão. Lutei por minha sucessão ao trono, e garanti, definitivamente, a evangelização do Reino do Congo.
A partir daí, durante o meu reinado, missionários das mais diferentes congregações: Franciscanos, Dominicanos, Carmelitas e Jesuítas, levaram a todos os cantos do meu reino, todo o fascínio da religião católica. Foi criada uma Ordem de Cristo do Congo e a minha coroação foi presidida por um sacerdote tal qual acontecia na sagração dos Reis cristãos europeus. A presença cristã fazia-se representada principalmente na majestosidade das igrejas construídas e ornadas em ouro, que deixavam claro pra mim e todos os meus vassalos a verdadeira ligação entre religião, ostentação e poder.
E justo por isso, não foi somente o cristianismo que floresceu durante o período do meu reinado. Admirado com as descobertas obtidas nas relações com os portugueses, eu promovi um autentico “aportuguesamento” das minhas instituições políticas e sociais, tomando por base os moldes lusitanos.
Da relação estreita, obtida através de cartas, com o Rei português Dom Manuel I a quem carinhosamente tratava de “irmão”, surgiu nesse período, todo o tipo de incentivo. Eu recebia ajuda dos portugueses tanto nas questões de lutas e guerras quanto na incrementação do comércio e extração do cobre que passou a ser um metal valioso, tornando-se um meio com o qual eu podia adquirir mercadorias europeias, aumentando assim minha riqueza e me permitindo garantir a lealdade dos nobres mais importantes do meu reino.
Também nesse período intensificou-se o comércio de escravos regional e internacional. Envergonha-me lhes informar que foi durante o meu reinado que saiu a primeira leva de negros, da região do Congo, vendidos como escravos para a Europa. Se antes os prisioneiros de guerra de outras tribos eram transformados em escravos para trabalhar nas minas e casas dos nobres congoleses, agora, na mão dos comerciantes portugueses eles eram tratados como mercadorias e exportados em quantidade para Portugal e sua principal colônia, o Brasil que, recém-descoberto, dependia intensamente da mão de obra escrava para o árduo trabalho nas suas lavouras.
Eu demorei muito pra perceber a ganância e os verdadeiros interesses dos meus supostos “irmãos” portugueses. Enquanto eu me preocupava em perpetuar e defender a fé cristã, os comerciantes portugueses, deslumbrados com as informações de descobertas de minas de ouro e prata nas Américas, acreditavam que por ser o Congo uma região cercada de minas de cobre, eu lhes escondia a real localização de tais minas no meu reino. Ao perceberem que na região em que pensavam encontrar minas de ouro e prata havia somente uma vasta plantação de bananas e mangas, o olho grande dos comerciantes portugueses logo encontrou um caminho pra fazer altas negociatas e saciar sua ambição, adquirindo de nós esses frutos em troca de bugigangas e coisas de pouco valor e exportando e revendendo para a Europa e as Américas as bananas a peso de ouro e as mangas a peso de prata.
E foi essa cobiça portuguesa que alimentou a escravidão e que fugiu totalmente ao meu controle. À medida que a atividade agrícola crescia no Brasil, a caça ao homem e o comércio humano tornou-se o fator de maior interesse para os portugueses. Mas quando o tráfico negreiro se intensificou com mercadores desrespeitando as rotas estabelecidas e o monopólio real eu, Dom Afonso I, escrevi de próprio punho para o meu “Rei irmão”, Dom Manuel I, lhe informando que até mesmo nobres congoleses e membros da família real estavam sendo aprisionados pra ser vendidos como escravos. As regras tradicionais estavam sendo violadas. O enriquecimento ilícito dos chefes e comerciantes portugueses abalava as bases do meu poder.
Mas a grande decepção se deu quando eu, tardiamente, compreendi que o Rei lusitano lucrava, compactuava e incentivava toda essa corrupção. Sentindo-me isolado e sem o apoio dos nobres congoleses que não me perdoaram por tamanha inocência, fui vítima de um atentado vindo da parte de pessoas muito próximas, e se não morri neste atentado, acabei morrendo mergulhado na mais profunda infelicidade e tristeza. Ainda assim, a região do Congo se manteve fiel aos ideais católicos por mais de um século após a minha morte, e entraria pra história como a principal alimentadora do tráfico negreiro no Brasil.
A partir do século XVII, muitos negros bantos oriundos da região do Congo e seus descendentes reorganizaram no Brasil os princípios da fé cristã, formando as Irmandades de N.S do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, em devoção a esses santos. Ao contrário de outros povos africanos como os yorubás que cultuavam e cantavam em louvor aos seus orixás: Oxalá, Ogum, Xangô e Yemanjá, entre outros, o meu povo, transformado em escravo nesse imenso país, nos momentos de folga nas senzalas cultuavam e perpetuavam a minha memória, com cânticos em devoção a mim, o seu mito maior.
Dessa forma, tornei-me uma emblemática figura representante da identidade negra católica do Brasil. A História do mais importante, poderoso e lendário Rei do Congo, defensor implacável da fé cristã, correu léguas, atravessou gerações, e acabou se confundindo com o ideal de Rei Cruzado da cultura europeia. Aquele que combatia os infiéis com a ajuda de forças divinas e ampliava, desbravava e consolidava as fronteiras do cristianismo.
Com o passar dos séculos, o nome Dom Afonso I foi sendo esquecido e deu lugar somente ao Rei do Congo, que se fazia presente nas festas das Irmandades quando a negritude escrava do Brasil Imperial do século XVIII, saia das senzalas e ganhava as ruas em imensa algazarra, fazendo um verdadeiro alvoroço para festejar os seus santos de devoção, e em cortejo iam até a porta da igreja para o padre abençoar e coroar o seu rei negro, e de lá saiam em batuques cantando e dançando com a permissão da sociedade e do poder constituído.
Essas festas deram origem a diversas danças folclóricas como o Congo, a Congada, o Reisado, o Maracatu, e até a Cavalhada que recebeu forte influência europeia. E eu lhes afirmo que sou eu o Rei reverenciado nessas manifestações culturais, sou eu o Rei exaltado na sua eterna luta do bem contra o mal. Sou eu, que fui um “príncipe missionário” e me tornei o primeiro Rei Africano reconhecido, oficialmente, na Europa, eu que governei o Congo de 1506 a 1545, por quase 40 anos...
Agora... Eu, com toda humildade, peço a vosmicês da Casa Verde, vosmicês que fazem parte desse povo brasileiro, dessa imensa Nação miscigenada que carrega no seu sangue mais de 70% de negritude... Vosmicês que são a minha descendência... Que são os meus legítimos herdeiros... Por favor, não me deixem ser esquecido... Eu preciso contar a minha História... E para tanto escolhi essa Agremiação... Eu, que agora me encontro num plano superior junto aos meus ancestrais... Eu que agora também sou um espírito de luz... Peço que vosmicês... Negritude Casa Verde... Assim como os negros das senzalas que saiam pelas ruas em alvoroço rendendo homenagens ao Rei missionário, cantem na avenida a minha trajetória e assim... Cumpram o seu destino de registrar para as futuras gerações a História de Mvemba-a-Nzinga, Dom Afonso I – Um Rei Cristão no Império Africano do Congo.

Texto - Marcello Portella, carnavalesco do Morro da Casa Verde 2016


* OBSERVAÇÃO: A Introdução a esta Sinopse que se refere ao aparecimento de uma espírito durante uma seção de Kardecismo, foi apenas uma forma lúdica encontrada pelo autor para poder fazer a dissertação deste texto na primeira pessoa, não estabelecendo um fato verídico.

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