domingo, 14 de agosto de 2016

GRESE IMPÉRIO DA TIJUCA (RIO DE JANEIRO/RJ)

Enredo 2017

O ÚLTIMO DOS PROFETAS



A Judeia está em festa. Na noite límpida do deserto, desce das estrelas a luz que anuncia a chegada de um profeta de fé e amor. Esta noite esperada e iluminada festeja com alegria o nascimento do emissário da esperança. Conforme anunciou o anjo Gabriel, nascerá João!
Gerado no útero de Isabel, que saudou Maria, mãe de Jesus: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Veio ao mundo em uma pequena aldeia de Judá. Filho de uma terra árida, ponteada por rochedos, de calor intenso e vento cortante; habitada por camelos, ovelhas, cabras e beduínos de vestes escuras e pele curtida ao sol; coberta por vegetação tímida e rara, mas que garantia o sustento à gente sofrida.
Criado na tradição judaica foi viver com a mãe no deserto, após a morte do pai, Zacarias. Ao perceber que chegara a hora de cumprir sua missão, de anunciar a vinda de um Messias que estabeleceria o Reino do Céu na própria Terra, passou a peregrinar junto aos povos que perambulavam pela região. Assim surgia o profeta da esperança: homem simples, que vestia peles de animais e se alimentava de gafanhotos e mel. Porque era a fé o seu principal alimento.
Sob o sol escaldante do árido deserto, fazia suas preces e seus sacrifícios, pregando o arrependimento e lições de amor. Humilde, João dizia que não era digno nem sequer de apertar as sandálias do Messias. Batizava a todos que se arrependiam e multidões sempre iam ver suas pregações no rio Jordão - o mesmo em cujas margens, tempos depois, apoiou Jesus em suas mãos e o mergulhou em suas águas claras, das quais emergiram o Cristo Salvador.
Contam as escrituras que, ao batizar Jesus, João ouviu dos céus uma voz que lhe disse: "Este é o Meu filho amado". Neste momento, uma pomba esvoaçou sobre os dois dentro do rio, e dos céus, abertos em banho de luz dourada, desceu à Terra o próprio Espírito Santo. Discursando para seus seguidores no deserto, despertou a ira do rei Herodes Antipas - filho de Herodes, O Grande, o mesmo que mandara matar as crianças de Belém quando Jesus nasceu - por condenar o casamento dele com Herodíades, mulher de seu próprio irmão.
Preso na fortaleza de Maqueronte, onde ficou até o dia de sua morte, teve o destino selado no aniversário de Antipas. Em festa de luxo e fartura, o rei encanta-se com a dança de Salomé, filha de Herodíades - que, para vingar o nome de sua mãe, pediu a cabeça de João como recompensa.
Da morte de João, renasceu ainda mais forte a mensagem de fé, amor e esperança, a mesma que banhou a Judeia na noite de seu nascimento. O último dos profetas, forjado na dura vida do deserto, anunciador do Messias, virou mártir - de um lado, por conta da ambição e do espírito de vingança dos poderosos; de outro, por conta de sua própria coragem.
Coragem que, no Brasil, se espelha no sincretismo com a umbanda, crença miscigenada do nosso povo na qual São João Batista é Xangô - orixá da justiça e da sabedoria, do fogo e do trovão, do raio e das almas, do ar e da terra. Soberano das pedreiras, que lembram as rochas do Deserto da Judeia, é reverenciado com a saudação "kaô kabecilê", que significa "Venha ver o Rei descer sobre a Terra" - expressão que encontra paralelo com as pregações do profeta que anunciava o Messias. Mas Xangô também reina nas cachoeiras, com as águas que purificam, lembrando os batismos às margens do Rio Jordão.
Rei guerreiro que conquistou reinos e enriqueceu seu povo iorubá, a missão de Xangô é cobrar de quem deve e premiar a quem merece, agindo sempre com sabedoria. Seu poder queima e destrói todo o mal, transformando-o em todo o bem, conforme nosso merecimento. É isso que se pede à beira das labaredas no mês de junho, de acordo com a simbologia ancestral das fogueiras. Grande, poderoso, vaidoso, implacável e valente, Xangô é também exemplo de compaixão e justiça - simbolizada pelo seu machado de duas faces, que a todos julga, sem distinção.
O fogo de Xangô nos leva a falar novamente do nascimento de João - data que, para os povos da Antiguidade, coincidia com a proximidade das colheitas e os rituais dos camponeses para afastar os maus agouros, as pestes, a estiagem. O fogo tinha, também, a simbologia de purificação dos pecados. Nos dias de hoje, é isso que se pedi ao pular as brasas das fogueiras no mês de junho.
Tradição essa celebrada em muitos países da Europa (Portugal, Espanha, França, Rússia, Polônia) e das Américas (Paraguai, Argentina, Cuba, Bolívia, Chile, Peru e Venezuela). Além, é claro, do Brasil. Nas nossas terras, a devoção e a tradição trazidas pelos portugueses seduziram nosso povo, fazendo das Festas Juninas uma das maiores homenagens a São João Batista - e seus companheiros Santo Antônio e São Pedro.
Festas que alegram o país com suas cores, luzes, comidas, bebidas, danças e músicas típicas, adivinhações e crendices - principalmente no Nordeste, em cidades como Campina Grande (Paraíba), Caruaru (Pernambuco), São Luiz (Maranhão), Mossoró (Rio Grande do Norte) e Salvador (Bahia).
Pelas pregações dos jesuítas, o caráter religioso dos festejos juninos europeus passou a celebrar a vida, os costumes e as tradições do homem simples, principalmente do campo.
É a vida do caipira, do bacamarteiro e do violeiro; do sanfoneiro, do tocador de triângulo e de zabumba.
Gente que dança forró, baião, arrastapé, xaxado e quadrilha;
Que faz adivinhações, enfiando a faca na bananeira ou jogando papeis em bacias d'água para saber o nome do grande amor;
Que solta rojões, foguetes, buscapés e salta a fogueira;
Que sobe no pau de sebo em um arraial ornado por bandeirolas;
Que veste roupas coloridas, às vezes remendadas com retalhos de tecido;
Que usa chapéu de palha e admira os balões no céu;
Que come pamonha, canjica, munguzá, pipoca, pé-de-moleque e milho assado na fogueira.
Gente humilde como o próprio João - aquele menino da Judeia, cuja vida e cujo sangue serviram para anunciar a chegada de um novo tempo. Um tempo de salvação, um tempo de fé, um tempo de esperança.

Texto: Júnior Pernambucano

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