“Nkisi
Samba Kalunga. A Saga do Meu Batuque"
Prólogo
Buscar as raízes, entender a origem de uma cultura –
este é um exercício praticado por diversos povos, comunidades e nações.
Por certo sabemos que o samba, ritmo tradicional
brasileiro, teve sua origem no continente africano e raiz essencialmente negra.
Doravante, quando mergulhamos nos registros históricos, descobrimos infinidades
de ramificações etnológicas que apontam outras rotas percorridas até que ele
finalmente se espalhasse por nosso território.
A União Imperial, então, atravessa o mar em busca do DNA
do samba santista.
E assim revela a saga que trouxe nosso batuque através
do Oceano Atlântico para se espalhar e criar sua própria identidade na Terra da
Caridade e da Liberdade…
Sinopse
do enredo
“A águia guerreira, símbolo maior da nação verde e rosa,
ergue sua cabeça e volta seu olhar às águas do Oceano Atlântico. Levanta voo no
tempo e na história rumo a terras africanas, em busca da origem de sua cultura.
Seu destino: Angola.
Ao chegar, a primeira visão que tem – ainda à beira-mar
– é a da louvação a uma deusa africana, de nome Samba Kalunga. Chamada pelos
povos da região de “Nkisi”, palavra de origem Bantu que indica as divindades
que regem as forças elementares da natureza, ela tem reputação cultural
icônica, especialmente entre angolanos e congoleses.
– “Samba Kalunga, Mam’etu kiambote iá bantu, Kaiaia!” !
(“Saudamos a mãe dos Bantus, Mamãezinha!”).
É assim, em kimbundu – idioma predominante na Angola e
no Congo – que os povos Bantus cantam para reverenciar Samba Kalunga, a deusa
de suas águas: onde “Samba” significa A Grande Dama e “Kalunga”, o Imenso Mar.
E é Samba Kalunga, senhora das águas, Nkisi dos oceanos,
grande dama de um reino onde vivem os peixes, a flora marinha e toda forma de
vida existente nos mares, quem recebe o clamor do povo angolano que atravessa o
mar escravizado nos porões, aportando no litoral paulista.
Clamor que não se cala mesmo enquanto essas vidas são
comercializadas nas fazendas e propriedades burguesas. Resistência mantida pela
fé e pela cultura que levam consigo em sua forma de expressão.
Em devoção à deusa, nas senzalas e terreiros os negros
batem seus tambores, entoam suas cantigas e músicas e, mesmo diante de tanta
opressão, agradecem pela travessia com vida.
Desses batuques surge o que conhecemos hoje como roda de
samba.
Ao longo dos tempos, estes batuqueiros se agrupam e
formam pequenas comunidades ou grupos de negros em alguns redutos santistas –
povoados denominados Quilombos.
O povo quilombola, ou seja, aqueles que vivem nos
quilombos, continuam a servir os senhores brancos da elite como escravos, mas
jamais deixam de cultivar e cultuar suas origens.
Fevereiro de 1846. O Imperador D. Pedro II e sua esposa
Imperatriz Tereza Cristina visitam a região. Para agradá-los e recepcioná-los,
o Padre José Ignácio Rodrigues de Carvalho, então intendente da vila de Santos,
organiza um cortejo com negros vestidos com roupas coloridas e suas batucadas.
No Largo da Coroação, hoje Praça Mauá, o Imperador
assiste este tributo à cultura africana, ficando particularmente encantado com
o desfile das congadas, trazido pelos escravos congoleses na travessia da
grande Kalunga.
A cena remete à libertação dos negros para festejar o
dia de São Gonçalo. Os senhores brancos burgueses permitem que seus escravos
negros participem do festejo popular. Assim dá-se início à mistura de negros e
brancos em torno da batucada. Timidamente é bom que se diga: os poucos brancos
que se arriscam o fazem veladamente, escondidos atrás de máscaras, para que não
sejam vistos entre os escravos.
Avançamos no século. E chega ao litoral paulista um
negro alto e forte, que exibe em sua face cicatrizes, marcas da realeza
africana. Aqui chamado de Pai Felipe, vai para o Quilombo de Jabaquara, onde
não aceita ser um serviçal onde já há um negro de nome Quintino de Lacerda,
estudado e criado em família burguesa.
Então, aos pés do Monte Serrat, funda o “Quilombo de Pai
Felipe”, agrupando os negros que a ele dedicam devoção e respeito como líder de
um povo. Esses quilombolas fazem seus batuques e rodas de samba, cultuam seus
deuses em meio a mata, com a fauna e flora abraçando a cultura que ali brota.
Congadas e cantigas seguem madrugada adentro:
– “Ole-lê, ola-lá Pae Felipe mandou batucá”!
Pai Felipe então é coroado pelo seu povo o grande Rei
Batuqueiro, e funda o primeiro reduto de samba e batucada em plagas santistas.
O samba sobe o morro. E lá no topo a batucada embala os
festejos de Nossa Senhora de Monte Serrat. Bandeirinhas e flores enfeitam a
festa e o andor da santa. Rodas ganham um movimento que ora é dança, ora é
esporte. A “pernada” é uma prática dos homens que fazem rodas de samba – o
intuito é derrubar o oponente enquanto dançam ao ritmo dos tambores. E aquele
que cair só poderá revidar numa revanche no ano seguinte.
Mesmo num ambiente masculino, destacam-se duas mulheres
negras, as irmãs Euclydia e Lydionetta. Ainda jovens, frequentam as rodas e os
batuques e iniciam mais um movimento emblemático da história do samba na
região: o “Arrasta Sandália Aí, Morena” – e saem pelas ruas vestidas de
baianas.
Surge o Carnaval na cidade e o batuque conhece seu
primeiro apogeu!
Mas ainda tem mais. O samba toma forma, ganha as ruas e
o status de festa popular. Destaques se proliferam nos movimentos culturais de
batuqueiros pela cidade, entre eles Mestre Manezinho, Mestre Leitão e Daniel
Feijoada, entre outros, que criam seus grupos carnavalescos e originam as
primeiras escolas de samba. A folia toma conta do Carnaval.
Já estamos em meados do século XX e em meio a esses
bambas surge um negro de nome Dráuzio da Cruz. Ele funda a agremiação Império
do Samba, que se torna símbolo do Carnaval Santista e o dissemina em nível
nacional. Aclamado, é escolhido Rei Momo em São Paulo e, já em memória,
empresta seu nome ao atual palco das Escolas de Samba Santistas – um legado de
bamba.
Enfim, nossa história chega ao destino final. O bairro
do Marapé. É aqui que nossa águia guerreira pousa para lembrar o capítulo que
ainda segue sendo escrito por milhares de santistas ao longo dos últimos 41
anos – vindos dos quatro cantos da cidade para celebrar a NOSSA batucada.
Um grupo de portelenses e mangueirenses se une e
expressa o amor ao samba e ao batuque, a toda a cultura que carrega nas veias e
de seu DNA de raízes africanas. E assim materializa em verde e rosa suas cores
e na altivez da águia o símbolo maior de uma “nação”, cuja sina, acima de tudo,
é ser aguerrida.
Nasce como mais um quilombo de resistência cultural a
União Imperial, personificando o nosso amor à cultura do batuque.
Do voo inicial às terras africanas, estamos de volta
para o nosso “Ninho”. Revelamos, enfim, a epopeia de um povo, uma nação, uma
herança cultural que nos embala como ritmo, canto e dança.
Contamos a saga de nosso batuque, da nossa história e do
nosso samba”.
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