terça-feira, 30 de maio de 2017

GRES ACADÊMICOS DO SALGUEIRO (RIO DE JANEIRO/RJ)

Senhoras do Ventre do Mundo


“Eu sou o ventre principal, a Terra-Negra, a grande Mãe Universal, a primeira que gera e nutre o mundo, Grande Ya vermelha, cor símbolo da vida, fonte de energia e poder sobrenatural. (…) Fértil, me uno no ritual com o branco, a outra metade da cabaça, formando o Par Vital.”
ARGUMENTO
Há cinquenta e cinco anos, sob o manto vermelho e branco, a Acadêmicos do Salgueiro celebrou a desconhecida história de uma negra mulher… O desfile sobre aquela que se tornou “De escravizada à rainha”, marcou para sempre a agremiação e o carnaval brasileiro.
Outras heroínas irão salgueirar. Algumas famosas, outras anônimas, mas todas carregam no gênero e na cor, suas conquistas. Suas histórias serão (re)contadas, num longo espaço de tempo, que vai do alvorecer da espécie humana, até os dias atuais.
SINOPSE
Ela… brotou do ventre negro da África, seu povo a deu o nome de Dinikinesh (*), seu fóssil de milhões de anos era, aos olhos da ciência, a Eva Africana, que deu à luz a humanidade. A partir daí, a história segue seus passos…
Ela… é bíblica soberana de Sabá, dona do coração de Salomão. Ela… é negra rainha. Regente na Etiópia, construiu palácios, cimentou a cultura e a arte. Contra-atacou os invasores. Foi general da Núbia, liderando exércitos.
Ela… é, no Vale do Nilo, a personificação da autoridade divina, fonte do poder. Guardiã da linhagem real. Como Hórus, lança fogo contra seus inimigos.
Ela… É esposa e Mãe do Egito – a Deusa Ísis – amamentando o divino filho, Hórus, inspiração para a imagem da santíssima mãe nos primeiros santuários Cristãos. É também Neith, a Deusa mais velha, que fala com a voz atemporal “Eu sou tudo o que foi ou será.” E Hathor, autogerada, doadora da vida, protetora dos mortos, deusa dos sentidos.
Ela… é mestre Hypátia de Alexandria, “a última grande cientista mulher da antiguidade”.
Ela é Merit Pitah a mulher que cria a medicina e a primeira ideia de casas de maternidade na história da humanidade.
Ela… é guerreira, é Nzingha de Angola, na luta contra o imperialismo português, e que insistia em ser chamada de rei, ao marchar para o campo de batalha com roupa de varão. É Yaa Asantewa dos Ashanti. A Rainha Mãe de Ejisu, em Gana, que lutou contra os britânicos, e ao seu povo declarou: “Se os homens de Ashanti não irão para frente, então vamos todos nós. Nós, as mulheres, iremos…” Do lado de cá, é a conselheira Acotirene de Palmares, a sagrada mulher que empossou Ganga Zumba. É Teresa do Quariterê. É Maria Felipa, Luiza Mahin, e muitas outras…
1* Significa “você é maravilhosa” na língua Amharic (semiótica Afro asiática – etiope). O achado arqueológico ficou internacionalmente conhecido como fóssil Lucy, aleatoriamente escolhido pelos arqueólogos europeus.
Ela… é a matriarca nestes cafundós coloniais e imperiais. Neste lado do Atlântico, formou novos laços familiares, irmandades negras, sociedades secretas que deram origem a diversas religiões de matriz africana. É a mãe preta, “ama de leite”, que amamentava o sinhozinho, que estava com dengo e só queria um xodó. É quem trança as madeixas fazendo cafuné, enquanto canta quadras e conta histórias para ninar. Cantigas cantadas em língua nativa, que citavam itans africanos, perpetuados entre nós.
Criou as feiras livres, nas praças e esquinas. Vendedoras de frutas e legumes, equilibrando seus tabuleiros, cestos sobre a cabeça, as primeiras empreendedoras do Brasil. São as filhas de Oya, que pregoam: Ê e abará! Que descendo a alameda da cidade com seus encantos, de saia rodada, sandália bordada, coberta de contas e balangandãs pisando nas pontas, sabe encantar. A “negra forra”, que faturava alguns mil réis, para a compra da carta de alforria das suas irmãs cativas. Doceira, quituteira, quitandeira.
Ela… que alimenta, no seu tabuleiro tem… Vatapá, Caruru, Mungunzá. Põe na gamela o tempero, machuca a pimenta da costa e mais uma pitadinha de sal, põe farofa de dendê e veja só no que dá. Tem angu e aluá. Também tem Bobó, Acarajé e Efó. E depois o quindim e doce de leite com amendoim…
Quem… dá fé aos saberes das folhas. uma doutora ou curandeira. Ervas pra curar, ervas pra benzer. Mas se é canjerê, ela “corta” quebranto, invoca o seu santo para lhe proteger. No axé, ela é Yamin, Preta Velha, Agbá, Mametu, Nochê… Mãe que prepara o ebó para o Oboró e para a Yapeabá. E cultua no Gèlèdè que reverencia e apazigua as Mães Primeiras, as “Senhoras dos Pássaros da Noite”, as energias geradoras da vida, e controladoras da morte. Para assegurar o equilíbrio do mundo. Sabe que para o povo africano: “tudo aquilo que o homem vier a conseguir na terra, o será através da mão da mulher”.
Ela… que seguindo os mestres e griôs, na tradição oral africana, fortaleceu as lutas de libertação. E através da palavra escrita, eternizou sua história.
Ela… autora negra, guardiã dos valores ancestrais, desde Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista do Brasil à Carolina Maria de Jesus, que registrava o cotidiano da comunidade, ao comparar a favela e seus cafofos, ao quarto de despejo de uma cidade. Estas e demais escritoras, superaram imposições sociais ao figurarem o seleto meio literário do país.
Ela… é memória do mundo; deusa; rainha; guerreira; sacerdotisa; feiticeira, a matriarca, que trabalha e sustenta a prole sozinha, seu nome é resiliência. Mãe, irmã, amante e companheira. Velha Guarda, baiana, passista, porta bandeira.
Ela… cheia de graça, bendita mulher e seu ventre, com seus formosos pássaros, do alto dos ceús, olhai por nós!
Alex de Souza, carnavalesco.
Pesquisa Coordenador Dr. Júlio Tavares

Pesquisadoras: Kaká Portilho, Marina Miranda e alunos do curso de História Geral da África – Instituto Hoju

Nenhum comentário:

Postar um comentário