Senhoras
do Ventre do Mundo
“Eu sou o ventre principal, a Terra-Negra, a grande Mãe
Universal, a primeira que gera e nutre o mundo, Grande Ya vermelha, cor símbolo
da vida, fonte de energia e poder sobrenatural. (…) Fértil, me uno no ritual
com o branco, a outra metade da cabaça, formando o Par Vital.”
ARGUMENTO
Há cinquenta e cinco anos, sob o manto vermelho e
branco, a Acadêmicos do Salgueiro celebrou a desconhecida história de uma negra
mulher… O desfile sobre aquela que se tornou “De escravizada à rainha”, marcou
para sempre a agremiação e o carnaval brasileiro.
Outras heroínas irão salgueirar. Algumas famosas,
outras anônimas, mas todas carregam no gênero e na cor, suas conquistas. Suas
histórias serão (re)contadas, num longo espaço de tempo, que vai do alvorecer
da espécie humana, até os dias atuais.
SINOPSE
Ela… brotou do ventre negro da África, seu povo a deu o
nome de Dinikinesh (*), seu fóssil de milhões de anos era, aos olhos da
ciência, a Eva Africana, que deu à luz a humanidade. A partir daí, a história
segue seus passos…
Ela… é bíblica soberana de Sabá, dona do coração de
Salomão. Ela… é negra rainha. Regente na Etiópia, construiu palácios, cimentou
a cultura e a arte. Contra-atacou os invasores. Foi general da Núbia, liderando
exércitos.
Ela… é, no Vale do Nilo, a personificação da autoridade
divina, fonte do poder. Guardiã da linhagem real. Como Hórus, lança fogo contra
seus inimigos.
Ela… É esposa e Mãe do Egito – a Deusa Ísis –
amamentando o divino filho, Hórus, inspiração para a imagem da santíssima mãe
nos primeiros santuários Cristãos. É também Neith, a Deusa mais velha, que fala
com a voz atemporal “Eu sou tudo o que foi ou será.” E Hathor, autogerada,
doadora da vida, protetora dos mortos, deusa dos sentidos.
Ela… é mestre Hypátia de Alexandria, “a última grande
cientista mulher da antiguidade”.
Ela é Merit Pitah a mulher que cria a medicina e a
primeira ideia de casas de maternidade na história da humanidade.
Ela… é guerreira, é Nzingha de Angola, na luta contra o
imperialismo português, e que insistia em ser chamada de rei, ao marchar para o
campo de batalha com roupa de varão. É Yaa Asantewa dos Ashanti. A Rainha Mãe
de Ejisu, em Gana, que lutou contra os britânicos, e ao seu povo declarou: “Se
os homens de Ashanti não irão para frente, então vamos todos nós. Nós, as
mulheres, iremos…” Do lado de cá, é a conselheira Acotirene de Palmares, a
sagrada mulher que empossou Ganga Zumba. É Teresa do Quariterê. É Maria Felipa,
Luiza Mahin, e muitas outras…
1* Significa “você é maravilhosa” na língua Amharic
(semiótica Afro asiática – etiope). O achado arqueológico ficou
internacionalmente conhecido como fóssil Lucy, aleatoriamente escolhido pelos
arqueólogos europeus.
Ela… é a matriarca nestes cafundós coloniais e
imperiais. Neste lado do Atlântico, formou novos laços familiares, irmandades
negras, sociedades secretas que deram origem a diversas religiões de matriz
africana. É a mãe preta, “ama de leite”, que amamentava o sinhozinho, que
estava com dengo e só queria um xodó. É quem trança as madeixas fazendo cafuné,
enquanto canta quadras e conta histórias para ninar. Cantigas cantadas em
língua nativa, que citavam itans africanos, perpetuados entre nós.
Criou as feiras livres, nas praças e esquinas.
Vendedoras de frutas e legumes, equilibrando seus tabuleiros, cestos sobre a cabeça,
as primeiras empreendedoras do Brasil. São as filhas de Oya, que pregoam: Ê e
abará! Que descendo a alameda da cidade com seus encantos, de saia rodada,
sandália bordada, coberta de contas e balangandãs pisando nas pontas, sabe
encantar. A “negra forra”, que faturava alguns mil réis, para a compra da carta
de alforria das suas irmãs cativas. Doceira, quituteira, quitandeira.
Ela… que alimenta, no seu tabuleiro tem… Vatapá,
Caruru, Mungunzá. Põe na gamela o tempero, machuca a pimenta da costa e mais uma
pitadinha de sal, põe farofa de dendê e veja só no que dá. Tem angu e aluá.
Também tem Bobó, Acarajé e Efó. E depois o quindim e doce de leite com
amendoim…
Quem… dá fé aos saberes das folhas. uma doutora ou
curandeira. Ervas pra curar, ervas pra benzer. Mas se é canjerê, ela “corta”
quebranto, invoca o seu santo para lhe proteger. No axé, ela é Yamin, Preta
Velha, Agbá, Mametu, Nochê… Mãe que prepara o ebó para o Oboró e para a
Yapeabá. E cultua no Gèlèdè que reverencia e apazigua as Mães Primeiras, as “Senhoras
dos Pássaros da Noite”, as energias geradoras da vida, e controladoras da
morte. Para assegurar o equilíbrio do mundo. Sabe que para o povo africano:
“tudo aquilo que o homem vier a conseguir na terra, o será através da mão da
mulher”.
Ela… que seguindo os mestres e griôs, na tradição oral
africana, fortaleceu as lutas de libertação. E através da palavra escrita,
eternizou sua história.
Ela… autora negra, guardiã dos valores ancestrais,
desde Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista do Brasil à Carolina Maria
de Jesus, que registrava o cotidiano da comunidade, ao comparar a favela e seus
cafofos, ao quarto de despejo de uma cidade. Estas e demais escritoras,
superaram imposições sociais ao figurarem o seleto meio literário do país.
Ela… é memória do mundo; deusa; rainha; guerreira;
sacerdotisa; feiticeira, a matriarca, que trabalha e sustenta a prole sozinha,
seu nome é resiliência. Mãe, irmã, amante e companheira. Velha Guarda, baiana,
passista, porta bandeira.
Ela… cheia de graça, bendita mulher e seu ventre, com
seus formosos pássaros, do alto dos ceús, olhai por nós!
Alex de Souza, carnavalesco.
Pesquisa Coordenador Dr. Júlio Tavares
Pesquisadoras: Kaká Portilho, Marina Miranda e alunos
do curso de História Geral da África – Instituto Hoju
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