sábado, 27 de maio de 2017

GRES UNIÃO DE MARICÁ (MARICÁ/RJ)

100SASIONAL! Um Maxixetico e Rebolativo Baile


– Justificativa do enredo
Nos cordões carnavalescos deve ser reconhecido um papel de relevância no desenvolvimento do carnaval do Rio de Janeiro. Foram eles que fizeram desaparecer o entrudo, com seus excessos e inconveniências, e o zé-pereira, com seu enlouquecedor e ensurdecedor barulho; importado de Portugal, através de José de Azevedo Paredes, festeiro e simpático lusitano, natural do Porto e estabelecido do Centro do Rio.
Segundo historiadores e pesquisadores, os cordões tiveram origem nos festejos da nossa Senhora do Rosário, ainda nos tempos coloniais, quando desfilavam, sempre mantendo suas raízes africanas. Porém, no período pós-entrudo / zé-pereira, de 1905 a 1916, aproximadamente, o ponto alto do reinado de Momo era o desfile das grandes sociedades; por sua vez, os ranchos, já consolidados, tinham fervorosos adeptos, enquanto o corso de automóveis e blocos atraíam multidões. Os embriões das Escolas de Samba iam tomando forma nos morros, bairros do subúrbio e na tradicional Praça Onze. Restavam esparsas lembranças dos festivos cordões de outrora.
Em meio a tantas novidades, as gravações fonográficas, os automóveis e a abertura da Avenida Central, se perdiam no tempo os grupos carnavalescos da virada do século, dos quais surgiriam, ao longo do tempo, os blocos, clubes e bandas. Os cordões estavam totalmente esquecidos. Porém, os fundadores de uma sociedade carnavalesca, alguns boêmios que, com sua poesia, seu amor e carinho, num belo gesto, pleno de reverência ao passado, deram uma guinada nessa tendência e fizeram história…
Assim surge o maioral dos maiorais:
Em 1917, dissidentes do Clube dos Democráticos, uma juventude aliada à maturidade de muitos veteranos que não se conformavam com os obstáculos impostos aos desejos de mudança, contestavam o conservadorismo intolerante, dominador, refratário a qualquer movimento que representasse ruptura com as chamadas “respeitáveis tradições”, passaram a se reunir diariamente e resolveram fundar um cordão carnavalesco.
Nos jornais da cidade, uma portaria do chefe da polícia, Dr. Aureliano Leal, dizia: “Os grupos e cordões que perturbarem a ordem pública terão as suas licenças cassadas, sendo os perturbadores presos e processados, na forma de lei”. Proibia, ainda, mais a diante, de maneira igualmente decisiva, a fundação de grupos similares.
Longe de se amedrontar e disposto a topar a parada com o ‘chefão’ temido, o grupo das alegres reuniões ‘chopísticas’ de um dos bares da Galeria Cruzeiro (o Bar Nacional) seguiu coeso com seu líder K. Veirinha. Iriam, todos, desobedecer o mandachuva. Um nova geração, ansiosa por renovações no campo dos direitos sociais, nos costumes, na literatura e nas artes, deram vida ao Cordão ‘Só Se Bebe Água’, imbuídos dos novos e saudáveis propósitos.
Porém, uma amorosa história fez, rapidamente, esse nome mudar. Uma sedutora foliã, com bolas pretas a revoar, encantou K. Veirinha, que eternizou sua lembrança, fixando-a no novo nome do Cordão; o, a partir de então: Bola Preta! Alugaram a sede do clube Cabaret do Políticos, na rua do Passeio, e na noite de 31 de dezembro de 1918 com um ‘maxixético e rebolativo baile’ (como era de praxe qualificar-se as festas dançantes carnavalescas) consumavam a deliberação.
Tendo como regra principal e primordial a seguinte trilogia: Mulher, chope e carnaval. A turma do Bola não vacilava em apoiar, com impetuoso entusiasmo, tudo o que fosse reivindicação feminina.
No Brasil, persistia a velha mentalidade de ampla dominação masculina. As pioneiras dos movimentos feministas eram repelidas e hostilizadas, chamadas de “desvairadas”, “rebeldes à vontade de Deus”, “dissolutas”, “serpentes de saias”, “libertinas” e etc.
Mas, a turma liderada por Álvaro Gomes de Oliveira, o célebre ‘K. Veirinha’, ia em direção contrária. E, com o slogan “Liberdade para as mulheres!”, clamavam os bola-pretenses, apoiando as corajosas precursoras dos direitos femininos.
A constante exaltação do Bola à mulher já era amplamente registrado pelos jornais da época. As músicas do Cordão tinham geralmente como tema principal a mulher, com admiração amor e galanteria transbordando em seus versos.
A publicação de bailes e eventos sempre colocava em destaque a presença feminina, enquanto a decoração dos salões, caprichava nas musas mitológicas, melindrosas, odaliscas, índias, mulheres de todas as raças e múltiplas origens.
Em seu primeiro estatuto destaca-se o endereço da primeira sede, à Rua da Glória, 88 – carinhosamente chamada de “recanto da inspiração”; se oficializa como sociedade recreativa, tendo por objeto único a tradição dos antigos cordões, proporcionando aos irmãos reuniões sociais, isto é, bailes, sessões de música e canto, culto dos sambas, batuques, choros e de leitura de livros, jornais, revistas e demais publicações análogas.
No Cordão da Bola Preta não existem sócios, mas irmãos, sendo assim designados por esta última palavra, todos os seus componentes.
Nos primeiros bailes do Bola eram ao som de maxixes, polcas-tangos, jazz, marchas, sambas e outros ritmos, seguindo os costumes carnavalescos das primeiras duas décadas dos século 20. Daí em diante, prevaleceram sambas e marchas, que se evidenciaram nos anos 30.
Várias foram as sedes do Cordão, em sua maioria, com permanente programação social durante o ano. Diversos e famosos bailes, que eram frequentados por personalidades como: Carmem Araújo, Elizeth Cardoso, o cronista e pianista Mário Cabral e Pixinguinha, tocando o seu saxofone, entre tantas outras.
Da fundação até 1942, o comando do Bola Preta ficava a cargo de um xerife, causando curiosa diferença entre as demais instituições que, normalmente adotava, o presidencialismo. A turma do Bola tinha na figura do xerife um guardião da lei e mantedor da ordem foliã. O xerifado se encerrou em 1942, em uma animada eleição que seguiu as normas do presidencialismo, elegendo Antonio Martonelli (Venenoso) o primeiro Presidente; e Álvaro Gomes de Oliveira (K.Veirinha) foi merecidamente distinguido como Presidente de Honra.
Dois anos após o surgimento da figura do Rei Momo, em 1935, surge a soberana Frederica I, cujo nome completo era: Sua Majestade Frederica Augusta Coração de Leoa. Jornais da época, junto ao Bola resolveram fazer uma sátira a Momo. A condição para ser a Rainha Moma era ser um homem travestido de mulher, de preferência com bigode. A existência da soberana nesta forma durou até 1960, quando o então Presidente do Bola, Luiz Rabello, recebeu a sugestão do Departamento de Turismo para que a Rainha Moma fosse representada por uma mulher. Depois de muita discussão interna a proposta foi aceita. Em 1961, Rosa Possas foi a primeira mulher a ser coroada como Rainha Moma do Bola Preta.
Na alvorada do carnaval, o “sábado gordo”, ocorre a “saída” do Bola Preta, pela manhã; seu tradicional estandarte, sempre em riste, empunhado por bela porta-estandarte abre alas, seguido das belas musas, rainha e madrinha do cordão e os irmãos com seus tradicionais uniformes, cantando e tocando o hino que Vicente Paiva e Nelson Barbosa compuseram: Quem não chora, não mama / Segura meu bem, a chupeta / Lugar quente é na cama / Ou então no Bola Preta.
O Cordão da Bola Preta é protagonista de uma narrativa que merece ser contada em mais um enredo. Um símbolo da resistência, patrimônio cultural, que vem sendo preservado a um século.
Há muita história a ser contada…
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– Reprodução (mantida a grafia original) de um texto publicado pelo jornal “A Pátria” em 23 de Janeiro de 1930.
Obs.: Chico Brício era parceiro de “Caveirinha”, e um dos fundadores do Cordão da Bola Preta.
“Então ouve, para melhor contares: A Bola Preta nasceu de uma scena amorosa entre uma colombina de branco e preto, isto é, de branco e de bolas pretas, com um rapaz de sport, aliás remador do C. R. Botafogo e um dos meus melhores amigos. Esse rapaz era o “Caveirinha”. A colombina é que não conheci. Sei, porém, que a scena ocorreu na Gloria, durante o Carnaval de 1918, quando ambos esses personagens, na expansão natural daquelle dia conseguiram falar-se. “Caveirinha” enamorou-se da colombina. E mergulhado nesse namoro sahiram ambos em colloquio, no meio da multidão. Isto foi visto e seguido por um primo de “Caveirinha”, que os acompanhou de longe. Mas houve um instante que o rapaz perdeu de vista os namorados, e, quando o “Caveirinha” reapareceu foi para indagar:”
– Onde está a Colombina?
– Estava comtigo, respondeu o primo surpreso.
– A miseravel fugiu!…
– Como?
– Depois de ter-me dado…
– Um tabefe?
– Não.
– Então o que deu ella para fugir assim!
– Um beijo.
– E depois?
– Desapareceu!
“E os dois ficaram um momento absortos. Afinal, “Caveirinha” na esperança de reencontrar a misteriosa colombina tomou uma iniciativa:
E os dois sahiram a procurar a endiabrada mascarada, soltando de vez em quando para se orientarem esta phrase: Tem “Bola Preta”?
Excusado é dizer que a colombina não apareceu mais até hoje. Entretanto ficou no espirito do “Caveirinha” a lembrança indelevel da “Bola Preta”.
E o diabo do avatar da “Bola Preta” não sahiu nunca mais do seu pensamento.
Assim é que no ultimo dia desse Carnaval, “Caveirinha” entrando em uma bagatella que estava installada num chopp que existia na Gloria onde entrou para espantar suas maguas, deu com uma bola preta. Sempre a bola preta! Ora, nessa mesma noite o bhoemio e incorrigível carnavalesco deliberou de vez prender a bola preta à sua vida foliona e com seus companheiros dessa ocasião, que eram o Fala Baixo, este que aqui está – o Brandão velhinho e o seu “Pendura” fundarem o hoje famoso e tradicional ‘Cordão da Bola Preta’”.
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– Considerações:
O G.R.E.S. União de Maricá, toma a responsabilidade de homenagear em seu desfile de 2018, a trajetória centenária do Cordão da Bola Preta, através das mais remotas lembranças de um Pierrô pelo reencontro e reconquista do amor de sua Colombina; revivendo inesquecíveis carnavais, dos áureos tempos de Arlequins, Cabrochas e Mandarins. Uma época de indecente crônica social, irreverente luxúria infernal, debochada confusão musical. Uma autêntica e envolvente narrativa do carnaval.
Renato Figueiredo
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– Fontes de pesquisas e bibliografia:
BRASIL, Murilo – A História do Cordão da Bola Preta – Ed. Teatral / 2005;

PAOLINO, Emílio Jorge – Eu disse e provo: Cordão da Bola Preta. Entre o carisma e o polêmico, uma mina social no coração da cidade – Ed. FVG / 1988;
COSTA, Haroldo – 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro – Ed. Irmãos Vitale / 2001;
EFEGÊ, Jota – Figuras e coisas do carnaval carioca – Ed. FUNARTE / 1982;

FERREIRA, Felipe – O livro de ouro do carnaval brasileiro – Ed. Ediouro / 2004.

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