“Romance de Xangô – A
Dança do Fogo”
Carnavalesco: Lucas Milato
Autores do Enredo: Lucas Milato e João Francisco Dantas
1. INTRODUÇÃO
Na década de 1950, o poeta açoriano, Vitorino Nemésio, em
sua viagem ao Brasil, passou pela Bahia e lá, pela cidade de Salvador, onde foi
levado ao Terreiro de Mãe Anísia. No terreiro, Vitorino assistiu a iniciação de
Dazinha, filha de Xangô, como mãe de santo. E todas as suas impressões ficaram
registradas num poema chamado “Romance de Xangô”. Imerso no universo de
Vitorino, o G.R.E.S. Unidos da Ponte retratará, com o merecido respeito, as
impressões do poeta, desde a chegada ao terreiro à iniciação.
2. SINOPSE
Estou no Terreiro de Mãe Anísia, que fica localizado no
Matatu Pequeno, em Salvador. Mesma região onde nasceu o primeiro terreiro de
candomblé do Brasil, a Casa Branca do Engenho Velho da Federação.
É noite, e no Péji, local da casa de santo onde ficam os
assentamentos dos orixás, as roupas e os objetos ritualísticos, as ekédis
vestem e paramentam Dazinha, aquela que será feita mãe de santo. No Péji,
somente aos iniciados é permitida a entrada.
No salão, outras ekédis e os alabês preenchem o lugar com
seus bustos de bronze tisnado, elegância ímpar e porte imponente. Vestem-se com
corpetinhos de crivo com detalhes de flores brancas sobre o branco do tecido.
No ar, inundando o olfato, pairam o cheiro do cravo e da
canela, especiarias que trazem riqueza; nos enfeites, enchendo os olhos,
aparecem desde o verde de Oxóssi ao liláz e branco de Nanã; nos sons dos
tambores Rum, Rúmpi e Lé, preenchendo os ouvidos, temos o anúncio de que por toda
a noite teremos candomblé.
De dentro do salão, ouvimos os vagidos do carneiro, objeto
de sacrifício exclusivo de Xangô. Várias peles de carneiro, também enfeitam a
sala. Dizem que o chifre desse animal, ao ser batido na parede, simula do troar
do trovão, que é Xangô.
Ouve-se um timbre de cobre, é o Xerê de Xangô. Dazinha, que
com o Xerê encobre peito, vestida de branco e vermelho, chegou. Seu rosto firme
parece o machado de duas lâminas, como que talhado nos ossos sob a pele.
Terrível, firme, rodada, a Filha do Trovão assombra.
Dazinha, como yaô, tal qual uma ovelhinha tosquiada, deixou
seus cabelos, sua lã, nas mãos de Mãe Anísia. Agora, ela dança Xangô, pois já
cumpriu seu tempo de submissão. É ebômim.
Sobe então, pelo ar do salão, da garganta de Dazinha, o
aulido nagô: o grito de Xangô.
Dazinha dá início ao movimento do fogo. Com os pés em leque
e as mãos em aspas nas ancas, como grávida de um deus, tenebrosa, começa sua
dança. Na roda da saia peneira cravos; o peito, tomado de labaredas, sacode
como protegido pela carapaça de um cágado.
Disseram-me que Xangô gosta de amalá: e da terra do chão do
terreiro, ressoa a batida da ponta de pé de Dazinha, que dançando, amassa o
pirão. Seu suor exala o cheiro do caruru.
O que vejo em minha frente é um anjo de azeviche que salta
de canguru. Roda o salão pulando num só pé. Sinto-me assombrado por um raio.
Com as cores e os cheiros, sinto como se eu estivesse também em transe. Dazinha
parece crescer e tomar todo o salão: encolhe-nos a todos. Os giros param.
Ela voa. E mesmo que não tenha coisa alguma de ave, salvo de
galo nagô, seu corpo pesado voa. Mas, porque dança esvoaçando, como ave de
trilho pobre. Vejo-a avestruz de Nigéria nos braceletes de cobre.
Os iniciados me contaram, e em Dazinha eu li, que Xangô
bateu no solo com seu Xerê, e fez abrir na terra uma fenda. Ele ordena às
serpentes, seres das profundezas, que retornem com ele para o fundo da terra.
Ali, na fenda, ele enterra as pedras de raio. Nas profundezas, ele cria os
raios. Olorum, o deus maior, alça Xangô ao céu. Xangô voa e se transforma no
trovão. Xangô se encantou. A dança terminou.
Para tonta, possuída: o deus bebe-lhe o suor, que lhe sabe
mais doce que água de coco. Muge sagrada, escorrendo fúrias de Xangô dançadas.
Nas toalhas encharcadas, como quem embala fruta, Chica, sua ekédi, seus seios
protege. Então, velando-lhe o rosto, como o do deus, esculpido em madeira, o
sacrifício e o desgosto arfam no peito suado.
Outra vez Xangô a abrasa, na viração da Bahia. Dazinha dança
o rito do fogo breve: a lança da guerra preta e o pilão da escravaria. O tempo
passa e as negras, fechando os olhos, sentem as velas comerem pavios inteiros
acesos no seu dançar.
E então, alta, nutrida de lume, Dazinha vem me abraçar.
Passa-me os braços nas costas, tremenda, digna e direita; duas vezes seu
pescoço toca o meu, para me sagrar, como quando à noite deita o seu menino a
ninar: e lá se vai, mais pura ainda, arder, arder e dançar.
Algum tempo depois amanhecia e de minha cabeça não
desaparecia o assombro. Já longe, ainda lembrava aquela noite de ouro que
tornou meu rosto negro de fumo e incenso.
Dazinha em Xangô virada, sendo negra, o Fogo É!
3. REFERÊNCIAS
NACAGUMA, Simone. “Romance de Xangô”: a dança do fogo.
Revista Literatura em Debate, Campinas, v. 5, n. 8, p. 283-295, jul. 2011.
Semestral.
Obs.: O poema, encontrado por nós no artigo de Simone
Nacaguma, faz parte do livro “Violão de Morro… seguidas por 9 Romances a Bahia,
de 1968”.
Obs.2: Na composição do texto da sinopse foram usados
trechos do artigo de Simone Nacaguma e do poema de Vitorino Nemésio.
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