Gilberto
Gil – A Música do Mundo do Artista da Paz
Subo nesse palco, eu sou o samba, sou a Vai-Vai, orgulho
da retinta herança com a minha aura clara e devota de quem preza o louco bumbum
do tambor. Sou a Saracura, que, neste instante mágico, se põe a voar mais alto,
até onde a imaginação alcança, em uma fantástica aventura, uma viagem inventada
em versos nas linhas de partituras a constelações de melodias, regidas pela
força “G” de uma estrela maior, um sol de brilho intenso aberto sobre o Brasil
– estrela esta que hoje nos guia, estrela Gilberto Gil.
No combustível da ilusão que nos leva, cintila o real
teor de beleza que, quanto mais nobreza, carrega um canto, um poema, uma oração
como um desejo de querer falar com Deus. Tenho que me aventurar, subir ao céu,
que de certo Deus fará acontecer, dessa estrela se permitir e se deixar cantar
assim, contando que a vida seja como um altar que a gente celebre,
transcorrendo, transformando esse espaço em um tobogã onde a gente escorregue e
navegue em uma órbita sem fim.
Tempo rei, ó tempo rei! Que de todos os meninos sãos, é
o grão e a semente de sons, de sanfonas e clarins de bandas, nas bandas do sem
fim, de infância, cesto de alegria de quintal, como o Sítio encantado de Lobato
que de cedo te fascina.
Faz-se o redemoinho no vento do tempo, do Tororó a
Ituaçú, refazendo a história, redesenhando a trajetória com a régua e o
compasso que a Bahia te deu e se rejuvenesça temporão, na lúdica visão de
abacateiros e regatos, do verde do mato e de sol amarelo como os retalhos de
Emília. Tosco como o sabugo Visconde nas lições de sua avó que trazem cheiros e
gostos, sabores de goiabada de marmelo, azedo e amargo, são doces tenros,
lembranças do menino jiló.
Frutos legados a amadurecer na refazenda mental,
amanhecendo canções, regada por um cântaro de bálsamos de quem tem na testa, o
Deus sol como um sinal… E assim, na inquieta juventude, fogo eterno a consumir,
fez-se o canto cantar o cantar.
E a vida corre como os dedos nas cordas de um violão que
um dia se ouviu nos acordes de uma nova bossa, na voz calma de um João e se deixou
atrair imantado, fazendo do instrumento a sua nova paixão.
Mas é tempo mutante, movimento gigante, roda que gira,
viramundo e, num simples segundo, ideias e sonhos se unem à canção; entre
parangolés, cores de Oiticica, flores a brotar na Tropicália, parafernalha
fértil e febril a sair às ruas, mãos nuas, voz da razão, de tantos Josés e
outros Joãos contra o braço de chumbo de um Brasil na desconstrução a marchar
entre espinhos que ferem e sorvetes que gelam o coração na cena aberta de um
teatro dantesco no 5º ato da repressão.
Grades que então selam o destino, sentença que amordaça
voz e pensamento, verso “subverso”, cala-se, cálice… E ondas correntes na
tormenta insana, atando grilhões invisíveis e arrastando um mar de mágoas na
viagem do desterro para se ocultar por trás da bruma fria; a bagagem de
saudades.
E da terra que se fez seu abrigo, seu e de muitos
amigos, ecoaram recados, gritos sofridos por tantos presos e sumidos para nunca
mais… Mas a música, alento da distância, se alimenta de novos sons ao enxugar
lágrimas, desatando frases nós que deslizam na garganta como um não, não chore
mais…
Sim, bem que tu lembras de um janeiro bordado de
esperança que desembarcou aqui, repleto de novos sonhos, canções de exílio e
tantas outras por vir… E assim surgiu tão exotérico, assim, eclético,
antecipado como um expresso além do tempo, para depois do ano 2000, trazendo a
novidade em sons e cores, tal qual um Maracatu atômico como jamais se viu,
unindo África, Jamaica e Bahia; Doces Bárbaros para o jejum do Brasil.
E hoje se ergue aqui um monumento, um imenso monolito a
sua caminhada, caminha dura, de tatame, na luta pela nossa cultura és o herói
da resistência, super-homem a nos restituir a glória através da música, a sua
essência. Essa noite, eu venho para a festa e trago a minha banda, pois só quem
sabe onde é Luanda saberá te dar valor.
Andar com fé, eu vou, no altar do samba que te celebra,
a paz invadiu o meu coração e o Brasil se une ao mundo num laço e hoje é todo
mundo que te manda, de braços abertos: AQUELE ABRAÇO!
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