segunda-feira, 18 de julho de 2016

GCERES OS PROTEGIDOS DA PRINCESA (FLORIANÓPOLIS/SC)

Enredo 2017
ARAPAÇO - O MITO DO POVO COBRA
Em um pedacinho da imensidão da floresta amazônica banhado pelo Rio Uaupés, viviam apenas as plantas e os animais daquela exuberante natureza. Esse rio de águas muito escuras corre pela mata e deságua no Rio Negro, um dos mais importantes rios do Brasil que, bem pertinho de Manaus, encontra o Solimões para formar o gigante Amazonas.
Um dia, uma imensa sucuri subiu pelas águas do Rio Negro até o Uaupés, acompanhando as cheias. Era Pamori Masono, a cobra-canoa ancestral que virou e deu origem aos antepassados de todos os povos tukano. Na beira daquelas águas, em um lugar onde caem cachoeiras intransponíveis, um desses povos viveu seu esplendor cultural, com sua língua, seus costumes e suas crenças. Eles são os netos das sucuris, filhos das cobras Arapaço... a tribo Arapaço, o povo cobra.
Seu irmão mais velho é Unurato, resultado da vingança de Iapo, que despedaçou o amante de sua esposa – Dia Pino, uma cobra que virava gente – e preparou para ela comer junto de centenas de peixinhos. Unurato nasceu da boca de sua mãe, no Igarapé dos Espíritos, para apanhar frutos no alto de uma árvore, querendo matar a fome dela e provar que era gente. Rejeitado, o menino serpente caiu nas águas buscando seu lugar no mundo. Nadou pelos rios, encontrou peixes e cobras maiores que ele e virou humano. Conheceu as coisas dos homens brancos, se assustou com os perigos deles, voltou para o rio e virou cobra novamente. Em suas transformações, fazia a ligação que permitia a harmonia e o equilíbrio entre o mundo além do rio (dos brancos) e o mundo arapaço.
O contato com os europeus era perigoso para os indígenas. O homem branco agride tudo aquilo que é estranho para ele, seja para salvar a alma – diz ele - seja para roubar a terra. No afã de conhecer o mundo, Unurato fez amizade com um branco que viu sua metamorfose na beira do rio e lhe desferiu um tiro fatal para seus poderes. Deixou de ser cobra e passou a ser apenas homem. Milhares de seus irmãos foram escravizados e as tribos do Rio Negro foram dizimadas na disputa entre portugueses e espanhóis pelo domínio da região. Unurato viveu na Manaus da Belle Époque com o auge do ciclo da borracha, conhecendo o Teatro Amazonas, os bondes elétricos, os cabarés, o comércio de diamantes e todo o requinte da Paris dos Trópicos. 
Anos mais tarde, Unurato foi para o Planalto Central e trabalhou com os candangos na construção de Brasília. Ergueu ocas de pedra na taba projetada por exímios construtores a mando do cacique dos brancos. Não faz muito tempo, houve uma cheia enorme, a maior que já se viu pelo Rio Negro. Era Unurato voltando. Ele retornou na forma de um grande submarino, trazendo as máquinas que construíram a capital dos brancos e todo o conhecimento do além-rio. Todos os dias, à meia-noite, o ronco das máquinas e o brilho das luzes ofuscam os sons da floresta e o luar que antes refletia no leito dos rios. São os seres wai-masa, espíritos sobrenaturais que vivem no fundo das águas e estão construindo uma imensa cidade, cheia de prédios, táxis, casas, mobílias e toda a parafernália dos brancos. 
É assim que, na bacia do Rio Negro, num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico, emergirá a grande metrópole que devolverá a paz e a prosperidade aos índios. E aquilo que nesse momento se revelará aos povos surpreenderá a todos. Não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio. Eles já foram milhares, agora são poucos, mas um dia voltarão, impávidos que nem Muhammad Ali, apaixonadamente como Peri, tranquilos e infalíveis como Bruce Lee, com o axé do afoxé Filhos de Gandhi... 
Virão, que eu vi!

Willian Tadeu
Ano 256 do fim do paraíso Arapaço

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