“Uma
Noite Real no Museu Nacional”
Introdução – O redescobrimento do Brasil
O Brasil foi descoberto em 1500, mas,
de verdade, só foi inventado como país em 1808,
com a chegada da família real ao Rio de Janeiro.
Até então, o Brasil ainda não existia.
Laurentino Gomes
Ao desembarcar no Largo do Paço da cidade do Rio de
Janeiro, em março de 1808, após uma longa viagem cruzando o Oceano Atlântico, a
família real portuguesa trouxe, em sua bagagem, um propósito que transformaria
definitivamente a então colônia brasileira, descoberta três séculos antes, que
até aquele momento ainda não se reconhecia como Nação. O Brasil tinha uma
população que beirava os três milhões de habitantes, mais da metade eram negros
e índios, mal distribuídos em regiões praticamente isoladas umas das outras,
com idiomas e costumes próprios. Excetuando o fato de todos estarem sob o poder
de uma única coroa, não existia um sentimento de unidade, cidadania e
identidade.
Dom João VI, através de seu empreendedorismo na criação
de importantes instituições como o Arquivo Real, a Real Biblioteca, o Erário
Régio e Jardim Botânico, começou a orquestrar um projeto civilizatório de país,
introduzindo novos hábitos culturais e, com isso, modificando radicalmente o
perfil colonial brasileiro. O país saía do ostracismo intelectual que lhe fora
atribuído quando servia apenas como uma zona de exploração e extração de
riquezas, para consolidar o poder monárquico no Novo Mundo. Nesse projeto
civilizatório, uma peça importante seria um museu que pudesse, com seu acervo
científico e antropológico, mostrar ao mundo a potência de um império sediado
na América.
Para muitos, o precursor desse museu foi a Casa de
História Natural, popularmente apelidada de Casa dos Pássaros, criada na cidade
do Rio de Janeiro por determinação da Rainha D. Maria I, duas décadas antes da
chegada da família real ao Brasil.
Tendo como finalidade “propagar os conhecimentos e
estudos das ciências naturais no Reino do Brasil”, o Rei João VI cria, por
decreto, no longínquo sábado, seis de junho de mil oitocentos e dezoito, o
Museu Real, com o apoio decisivo da Arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa
Leopoldina, esposa de D. Pedro e futura Imperatriz.
O Museu Real tornou-se Imperial e hoje é o nosso Museu
Nacional que, no apogeu dos seus duzentos anos, continua sendo um alicerce de
arte, ciência e cultura universais, motivo de orgulho para todos os
brasileiros.
Enredo
Pense em um palácio luxuoso e encantado construído no
alto de uma colina, tendo como moldura um suntuoso jardim repleto de flores e
pássaros descortinando uma paisagem deslumbrante. Dentro deste palácio ainda
habitam o Rei, a Rainha, os príncipes e princesas que um dia foram os seus mais
nobres moradores e hoje serão os cicerones imaginários de nossa visita ao
grande museu que ali se instalou: o atual Museu Nacional. Naqueles salões
cheios de lembranças, milhões de anos de história nos foram deixados como
herança, permitindo que, ao conhecer o passado, possamos compreender o presente
e idealizar o nosso futuro.
Dom João, o Rei, decretou a criação do Museu Real que
nasceu sob a solidez e o brilho reluzente dos cristais, sua primeira coleção, e
cresceu de maneira imponente através da astúcia, diplomacia e idealismo dos
nossos Imperadores.
Podemos dizer que Pedro, o Primeiro, consolidou um
Brasil com sentimento de nação unida e independente que já possuía maturidade
para caminhar sozinha e se mostrar grandiosa diante do mundo. Em sintonia com o
pensamento romântico de seu tempo, o outro Pedro, o Segundo, utilizou o museu
como repositório das expedições que organizaria, visando escrever a história da
nova nação, e como peça importante no processo de modernização do país,
elevando o acervo a símbolo da ciência universal.
É importante ressaltar que ambos tiveram a ajuda
significativa de suas consortes. Leopoldina, responsável por trazer da Europa,
em sua comitiva nupcial, cientistas, artistas, naturalistas, botânicos e
mineralogistas que constituíam a missão austríaca, e Teresa Cristina, a
Imperatriz arqueóloga.
No delírio carnavalesco que tudo consente, a escola de
samba Imperatriz Leopoldinense a todos convida para uma jornada a um dos
maiores museus do mundo. O Museu Nacional se enche de vida e abre suas portas
para embarcarmos nessa viagem fantástica.
Cai a noite. Rompendo a fronteira do tempo e do espaço,
meteoros cruzam o céu e nos ajudam a desvendar a origem da vida. A sutileza das
plantas e dos corais contrasta com a força e a brutalidade dos gigantes que, um
dia, dominaram o mundo. Representantes ilustres da megafauna brasileira,
surgem, repentinamente, em nossa frente nos lembrando de que houve uma era em
que o tamanho fazia toda a diferença.
A noite avança. Majestosas em suas cores e formas, as
borboletas enfeitam nossa caminhada. Besouros, mariposas, cigarras e tantos
outros insetos promovem uma orquestra sinfônica de zumbidos variados nos salões
onde, antes, se ouvia o som dos violinos.
O grande palácio possui estilo neoclássico, com
referências ao barroco e ao rococó, que se funde com o matiz selvagem da onça
pintada e com as penugens dos tucanos e araras, expressando o tropicalismo
original deste território que é proprietário de um dos mais belos santuários da
fauna mundial, em suas terras, céus e mares.
A luz da lua atravessa as vidraças, em nosso caminho
vemos um trono, presente do rei Adandozan do Daomé, marcando nossa entrada no
continente africano com seus marfins, lanças, tambores e agogôs.
Chegamos ao Egito! Amuletos, múmias e sarcófagos nos
revelam os segredos e mistérios das antigas civilizações, conduzindo-nos aos afrescos
de Pompéia e ao torso nu da Deusa Vênus, legado do Império Greco-Romano.
A madrugada ainda esconde a aurora do Novo Mundo. Antes
do Cristóvão, o Colombo, descobrir a América e de outro Pedro, o Cabral, chegar
ao Brasil, este torrão já tinha dono.
Tribos indígenas de todos os cantos se fazem presente.
Tem cerâmica Karajá, Marajó e Bororó. Cestaria Nambikwára, Máscara Tikuna e
escudo trançado dos Tukano. Tem índio da mata e também do sertão. Índio que
caça, que pesca e que dança. Tem índio até que come gente, quem diria?
De Lagoa Santa nas Minas Gerais surge Luzia, a mais
antiga das brasileiras, revolucionando todas as teorias sobre a ocupação do
continente americano.
Das terras andinas chegam os Incas adornados com penas
de araras. Da Amazônia Equatoriana surge o povo Jivaro, que se mistura aos
Chancay, Chimu, Moche e Lambayeques, entoando cânticos sagrados com suas
trombetas e flautas. A noite termina num espetáculo emocionante.
Os primeiros raios de sol iluminam o Jardim das
Princesas, um monumento romântico decorado com guirlandas, conchinhas marinhas
e mosaicos de porcelana inglesa, criado pelas mãos das nobres descendentes da
Imperatriz Leopoldina. E é sob a luz dourada do amanhecer que os herdeiros da
Imperatriz Leopoldinense vêm abraçar essa verdadeira joia paisagística e abrir
caminhos para o colorido das pipas que enfeitam o dia ensolarado, para a
originalidade dos vendedores ambulantes e para a alegria do povo que se reúne
em torno de toalhas estendidas nos gramados. O palácio é do povo! A Quinta do
Imperador é de todos nós! O repositório do saber e da preservação se une à
celebração popular da vida num encontro “antropológico” verdadeiro e essencial
para nossa identidade cultural como povo e como Nação.
Reinando soberana no alto do Palácio Real, a coroa
reluzente da Imperatriz festeja o bicentenário do Museu Nacional, berço que
embala heroicamente a história das artes, da cultura e das ciências no Brasil!
Cahê Rodrigues
Carnavalesco
Cahê Rodrigues e Dep. Cultural do GRESIL
Pesquisa, desenvolvimento e texto.
Fontes e Referências Bibliográficas
SCHULTZ, Kirsten. Versalhes Tropical, Império, Monarquia
e Corte Real portuguesa no Rio de Janeiro (1808 – 1821)
LOPES, M. M., FIGUERÔA, S., KODAMA, K., SÁ, M. R.,
ALEGRE, M. S. P. Comissão cientifica do Império – 1859-1861
GOMES, Laurentino. 1808 Como uma rainha louca, um
príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História
de Portugal e do Brasil. 2007
História da ciência Luso-brasileira: Coimbra entre
Portugal e Brasil (Imprensa da Universidade de Coimbra)
O MUSEU NACIONAL, Banco Safra, 2007.
RIBEIRO, A. I. M.– UNESP/Presidente Prudente. A
contribuição da Imperatriz Leopoldina à formação cultural brasileira
(1817-1826).
A Gazeta do Rio de Janeiro, Periódico (acervo Digital)
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