“História Pra Ninar Gente
Grande”
Sinopse
HISTÓRIA PRA NINAR GENTE
GRANDE é um olhar possível para a história do Brasil. Uma
narrativa baseada nas “páginas ausentes”. Se a história oficial
é uma sucessão de versões dos fatos, o enredo que proponho é uma
“outra versão”. Com um povo chegado a novelas, romances,
mocinhos, bandidos, reis, descobridores e princesas, a história do
Brasil foi transformada em uma espécie de partida de futebol na qual
preferimos “torcer” para quem “ganhou”. Esquecemos, porém,
que na torcida pelo vitorioso, os vencidos fomos nós.
Ao dizer que o Brasil foi
descoberto e não dominado e saqueado; ao dar contorno heroico aos
feitos que, na realidade, roubaram o protagonismo do povo brasileiro;
ao selecionar heróis “dignos” de serem eternizados em forma de
estátuas; ao propagar o mito do povo pacífico, ensinando que as
conquistas são fruto da concessão de uma “princesa” e não do
resultado de muitas lutas, conta-se uma história na qual as páginas
escolhidas o ninam na infância para que, quando gente grande, você
continue em sono profundo.
De forma geral, a
predominância das versões históricas mais bem-sucedidas está
associada à consagração de versões elitizadas, no geral, escrita
pelos detentores do prestígio econômico, político, militar e
educacional – valendo lembrar que o domínio da escrita durante
período considerável foi quase que uma exclusividade das elites –
e, por consequência natural, é esta a versão que determina no
imaginário nacional a memória coletiva dos fatos.
Não à toa o termo
“DESCOBRIMENTO” ainda é recorrente quando, na verdade, a chegada
de Cabral às terras brasileiras representou o início de uma
“CONQUISTA”. E, ao ser ensinado que foi “descoberto” e não
“conquistado”, o senso coletivo da “nação” jamais foi capaz
de se interessar ou dar o devido valor à cultura indígena,
associando-a “a programas de gosto duvidoso” ou comportamentos
inadequados vistos como “vergonhosos”.
Comemoramos 500 anos de
Brasil sem refazermos as contas que apontam para os mais de 11.000
anos de ocupação amazônica, para os mais de 8.000 anos da cerâmica
mais antiga do continente, ou ainda, sem olhar para a civilização
marajoara datada do início da era Cristã. Somos brasileiros há
cerca de 12.000 anos, mas insistimos em ter pouco mais de 500, crendo
que o índio, derrotado em suas guerras, é o sinônimo de um país
atrasado, refletindo o descaso com que é tratada a história e as
questões indígenas do Brasil. Não fizeram de CUNHAMBEMBE – a
liderança tupinambá responsável pela organização da resistência
dos Tamoios – um monumento de bronze. Os índios CARIRIS que se
organizaram em uma CONFEDERAÇÃO foram chamados de BÁRBAROS. Os
nomes dos CABOCLOS que lutaram no DOIS DE JULHO foram esquecidos. Os
Índios, no Brasil da narrativa histórica que é transmitida ainda
hoje, deixaram como “legado” cinco ou seis lendas, a mandioca, o
balanço da rede, o tal do “caju”, do “tatu” e a “peteca”.
Levando em conta apenas
pouco mais de 500 anos, a narrativa tradicional escolheu seus heróis,
selecionou os feitos bravios, ergueu monumentos, batizou ruas e
avenidas, e assim, entre o “quem ganhou e quem perdeu”, ficamos
com quem “ganhou.” Índios, negros, mulatos e pobres não viraram
estátua. Seus nomes não estão nas provas escolares. Não são
opções para marcar “x” nas questões de múltiplas escolhas.
Deram vez a outros. Outros
que, por certo, já caíram nas suas “provas”. Você aprendeu que
os “BANDEIRANTES” – assassinos e saqueadores – eram os
“bravos desbravadores que expandiram as fronteiras do território
nacional”. DOM PEDRO, o primeiro, você “decorou” que era o
“herói” da Independência, sem que as páginas dos livros
contassem a “camaradagem” de um “negócio de família” tão
bem traduzido pela frase do PAI do Imperador, que a ele orientou:
“ponha a coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça”.
Convém esclarecer aqui que os “aventureiros” citados por DOM
JOÃO éramos nós, brasileiros, e que a “independência”
proclamada – ou programada – foi para evitar que tivéssemos aqui
“aventureiros” como Bolivar ou San Martin, patriarcas
bem-sucedidos das “independências” que não queriam por aqui.
Como “CABRAL”, o
“ladrão”, que roubou o Brasil lá pelas bandas de mil e
quinhentos, ou PEDRO I, que através de um acordo “mudou duas ou
três coisas para que tudo ficasse da mesma forma”, tem também o
Marechal, o DEODORO DA FONSECA, homem de convicções monarquistas –
amigo pessoal do Imperador PEDRO II – autor da proclamação de uma
República continuísta – sem participação popular – traduzida
em golpe e que, na ausência de líderes, mandou “pintar” um
retrato do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o TIRADENTES, na
tentativa de produzir “um personagem pra chamar de seu”.
Se a República foi “golpe”,
conclui-se que “golpe” no Brasil não é novidade. Nem é
novidade que a natureza dos “golpes” ainda estejam mal contadas.
A rodovia CASTELO BRANCO “corta” São Paulo com “nome de
batismo” em homenagem ao primeiro general “do GOLPE DE 1964”.
Para cruzar a Baía da Guanabara em direção a Niterói, lá está a
ponte PRESIDENTE COSTA E SILVA, o mesmo que fechou o Congresso
Nacional e aditou o AI-5 suspendendo todas as liberdades democráticas
e direitos constitucionais. Em Sergipe, em dias de jogos, a bola rola
no estádio PRESIDENTE MÉDICI, o general dos “ANOS DE CHUMBO”,
do uso sistemático da tortura e dos violentos assassinatos. Nas ruas
– por terem lido um livro que “ninou” e não “ensinou”
falando da suspensão dos direitos humanos, da corrupção e dos
assassinatos cometidos no período – aparecem faixas para pedir
“intervenção militar”, décadas depois da redemocratização.
Sem saber quem somos, vamos
a “toque de gado” esperando “alguém pra fazer a história no
nosso lugar”, quiçá uma “princesa”, como a ISABEL, a
redentora, que levou a “glória” de colocar fim ao mais tardio
término de escravidão das Américas. Nunca esperaremos ser salvos
pelos tipos populares que não foram para os livros. Se “heróis
são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações,
pontos de referências, fulcros de identificação” a construção
de uma narrativa histórica elitista e eurocêntrica jamais
concederia a líderes populares negros uma participação definitiva
na abolição oficial. Bem mais “exemplar” a princesa conceder a
liberdade do que incluir nos livros escolares o nome de uma “realeza”
na qual ZUMBI, DANDARA, LUIZA MAHIN, MARIA FELIPA assumissem seu real
papel na história da liberdade no Brasil.
O fato é que a atuação de
“gente comum”, ou mesmo a incansável luta negra organizada em
quilombos, em fugas, no esforço pessoal ou coletivo na compra de
alforrias e em revoltas ou conspirações, já enfraqueciam o sistema
escravocrata àquela altura. Entretanto, ensinar na escola o nome de
“CHICO DA MATILDE”, jangadeiro, mulato pobre do Ceará (líder da
greve que colocou fim ao embarque de escravos no estado nordestino,
levando-o à abolição da escravatura quatro anos antes da princesa
ganhar sua “fama” abolicionista) não serviria à manutenção da
premissa de que as conquistas sociais resultam de concessões vindas
“do alto” e não das lutas. A história de CHICO DA MATILDE era
inspiradora demais para o povo. Não à toa, seu nome não está nos
livros.
Esses nomes não serviram
para eles. Para nós, eles servem. Para nós, sentinelas dos “ais”
do Brasil, heróis de lutas sem glórias ainda deixados “de tanga”
ou preso aos “grilhões”, eles são as ideias que usaremos para
“gestar” o que virá. “Engravidados” de novas ideias, jorrará
leite novo para “amamentar” os guris que virão. Sabendo outra
versão de quem é o Brasil, – não a que nos “ninou” para
quando fôssemos adultos – sabendo que CABRAL “invadiu” e que,
ao invés de quinhentos e dezenove anos, somos brasileiros há quase
doze mil anos. Conhecendo CUNHAMBEBE, a CONFEDERAÇÃO DOS CARIRIS,
cientes da participação dos CABOCLOS na luta do 02 DE JULHO NA
BAHIA, e sabendo que os índios lutaram e resistiram por mais de meio
século de dominação, talvez se orgulhem da porção de sangue que
faz de TODOS NÓS, sem exceção, índios. Sabendo que a “bondosa”
princesa Isabel deu vez a “Chico da Matilde”, “Luiza Mahin” e
“Maria Felipa”, é possível que reconheçam em si a bravura que
vive à espreita da hora de despertar e aí, talvez, o “gigante
desperte sem ser para se distrair com a TV”.
Cientes de que nossa
história é de luta, teremos orgulho do Brasil. Alimentados de leite
novo e bom, varreremos de nossos “porões” o complexo de
“vira-latas” que fomenta nossa crença de inferioridade. Veremos
tanta beleza na escultura de ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA quanto no
quadro que eterniza o sorriso da Monalisa. Nos orgulharemos do “tupi”
que falamos – mesmo sem saber. Daremos mais cartaz ao saci do que à
“bruxa”. Brincaremos mais de BUMBA MEU BOI, CIRANDA E REISADO.
Nossas crianças enxergarão tanta coragem no CANGACEIRO quanto no
“cowboy”. Vibraremos quando SUASSUNA estrear em “ROLIÚDE”
sem tradução para o SOTAQUE de João Grilo e Chicó. Não
estranharemos caso o Mickey suba a ESTAÇÃO PRIMEIRA, troque “my
love” por “minha nêga” e mande pintar o “parquinho” da
Disney com o VERDE E O ROSA DA MANGUEIRA.
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