Enredo 2017
O
Som da Cor
“Ouço
um tom de pele. Vejo a música que se embala. Me arrepio no toque da
batida, saboreando o ritmo que dela exala. Sinto cheiro daquela gente
sofrida, no brilho da voz que não cala. Está é a sala daqueles que
migraram forçosamente, para um já velho novo mundo. Após séculos
no cativeiro, tingiram estas Américas e as fizeram crioulas.
Gerações que se seguiram colheram os frutos dessa musicalidade,
semeada por seus ancestrais. Vozes e percussão revelando seus
ritmos, no bater do pé e na palma da mão. Instrumentos inventados
ou adquiridos de outras culturas.
De
início, navego milhas, nas ondas latinas, aportando nas Antilhas,
como os hispânicos reinóis, seus descobridores. Entre chocalhos e
maracas, o canto e a dança, ao som da habanera cubana. Do culto ao
etíope monarca africano, nasce o movimento rastafári caribenho,
disseminado pelo reggae jamaicano.
Seguindo
para o sul da colônia, conhecemos a cúmbia, “dança dos escravos”
na Colômbia. No uruguai, a dança com atabaques, tem como candombe
seu codinome. Bantos, de origem, seguem para a prateada Argentina,
muitos partindo do Brasil. Embarcavam, levando em si uma cultura
genuína, que, transportada em cada carreiro, chega ao porto de
Buenos Aires vinda do Rio de Janeiro. Assim nascem a milonga e o
tango, seu irmão, que no dialeto banto quer dizer círculo, baile,
tambor ou reunião.
Além
das coroas ibéricas, outros reinos colonizaram o continente;
ingleses e depois seus colonos americanos, que se proclamaram
independentes, disputaram com espanhóis e franceses novos
territórios. E neles aportavam navios negreiros, a mão de obra
escrava, nos brancos campos de algodão, era despejada. Proibidos de
falar, cantavam. Cantando dividiam dor, amor e cânticos de louvor.
Blues, ou “azuis”, era referência às pessoas de pele negra e à
melancolia nas plantações. Pai do jazz, que contêm um banzo, uma
saudade. Nova Orleans foi o berço. Os instrumentos das bandas
marciais, uma vez abandonados, após a derrota dos sulistas na guerra
civil, foram reaproveitados. Segregados, os irmãos de cor dedilhavam
o teclado em igrejas para os fiéis. Restava-lhes pouco espaço,
somente em bares, clubes e bordéis. Assim o “ritmo” vai
dominando o suingue do compasso. Do boogie-woogie e do jump blues
nasce um novo gênero que, ao som de guitarras, pelo mundo inteiro, a
juventude conquistou. “Aumenta que isso aí é rock’n roll”.
Está na alma, está no soul! Na pista disco. No funk e no tecno.
Negro é rap, é hip hop. Ser negro é ser pop.
Agora
ouço, das terras brasileiras, histórias que a memória traz.
Bantos, iorubas, jejes, minas e hauçás sobrevivendo entre a dor e a
gana, na ex-colônia lusitana, deram inicio a uma íntima relação
entre música e fé. E ao seu culto chamaram “Calundu”, e em seus
“batuques” na mata aberta nos cafundós do sertão, uma cultura
se manifesta. “Se negro festeja não conspira”, diz o amo branco
que assim permitia. Na roda dos negros virou lundu, uma dança
sensual que, junto à fofa e ao fado, atravessou o Atlântico e
conquistou Portugal. Este último se une aos cantos dos mouros, às
cantigas dos trovadores, da saudade inerente dos marinheiros.
Consolida-se como canção solista, inspirada na dança estilizada.
Revela-se que o grande orgulho luso, ora pois, tem um pé na senzala.
Nas
ruas daqui, o toque da zabumba chama o povo para o festejo, ao
relembrar a coroação do rei do congo num sincrético cortejo, das
embaixadas da nobreza negra, sua corte seus vassalos. A devoção da
irmandade negra católica à padroeira dos escravos. Salve Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos, salve São Benedito. Batam tambores,
marimbas e ganzás, nas batidas de caxambus. Dos reisados, de Chico
Rei coroado e dos maracatus. Festejando em louvação, simulam lutas
nos autos negros que saúdam a Divina Senhora da Purificação. Na
tradição nagô, o “candomblé de rua”, na cadência do ijexá
com seus xequerês e agogôs, é representado pelo afoxé. E nos
trios elétricos brincam ao ritmo do axé. Dos grandes mestres e
batutas, choram flauta e cavaquinho. As modinhas, polcas, maxixes,
pilares do meu carinhoso chorinho. E nos grandes encontros se fez o
jongo, conhecido como caxambu e corimá.
E
o samba, que vem de “semba”, a angolana “umbigada”, mexe e
remexe nos seus requebrados. Sincopado e malandreado. Vem exibir, com
as palmas e a resposta, os seus passos e rebolados. Meu tamborim de
bamba, valorizando a batucada. Com as bênçãos de Ciata e das “tias
baianas”, na Praça Onze e na Pedra do Sal, na Pequena África
carioca. “Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os
terreiros”, que a negritude tem a primazia. E é dessa cor que
falo, que meus sentidos expressam, naquele que é considerado o maior
espetáculo. Trazendo os matizes de cada pavilhão, a escola que o
samba fez. E ao som das cores da Vila, que é Azul, Branca e Negra
também, vem kizombar mais uma vez.
Alex
de Souza”
Nenhum comentário:
Postar um comentário