Bananas
Para o Preconceito
Tatuagem
emocional. Tudo está marcado por melanina entre células. A cor
impressa na pele denuncia nossa etnia, sinaliza onde está fincada
nossa raiz, revela até nossa cultura matriz. Cor da pele retrata
histórias, resgata memórias, nos permite transportar afetivas
tradições como fruto duma longa trajetória.
Discriminar
povos pela cor da pele é algo irracional. Arremessar bananas aos
irmãos negros como se este ato preconceituoso fosse uma grande
ofensa não deve mais gerar abalo moral, pois segundo estudos
científicos baseados na teoria evolucionista iniciada pelo inglês
naturalista Charles Darwin, macacos e humanos possuem um parente
ancestral em comum. Ambos fazem parte da superfamília dos primatas.
Muito
embora Darwin tenha razão, afinal de contas todos nós somos iguais
perante leis determinadas pela evolução das espécies, ainda hoje
há quem sofra na pele, por pura ignorância alheia, constrangedores
atos racistas. Rocinha, subversiva, inverte essa lógica
preconceituosa lançando bananas aos primatas ainda primitivos,
homens mentalmente apequenados envenenados pelo racismo. Dessa forma,
nossa escola deseja valorizar ações afirmativas no sentido de que
todo cidadão negro se imponha enquanto agente transformador, também
desenvolva sua autoestima e reconheça seu próprio valor.
No
tabuleiro da baiana tem?… Bananas para o preconceito! Carnaval é
cenário propicio para embananar qualquer realidade. Eis porque cada
banana citada, simbolicamente relançada, tomará o contorno da
valorosa identidade afro-brasileira manifestada através da dança,
da música, das artes cênicas, dos esportes, dos místicos rituais,
da luta por justiça almejada por negras mães Marias lata d’água,
do majestoso legado cultural deixado pelos escravos, que embora
vivessem em condições degradantes, jamais esqueceram sua negra
nobreza trazida na pele desde África.
Sinopse
Embora
não tenhamos evoluído de macaco algum, apenas sejamos com ele
parentes de um ancestral peludo em comum, Charles Darwin hoje se
espantaria caso testemunhasse alguém, por puro preconceito, jogar
bananas para depreciar irmãos de pele negra. Quem manifesta
preconceito racial esquece-se duma inusitada bananosa descrita na
teoria evolucionista defendida pelo aventureiro inglês naturalista:
tanto os macacos como os homens pertencem ao mesmo grupo evolutivo, o
supergrupo dos primatas. Temos raízes primatas sim, tanto quanto
silvestres chimpanzés, inclusive nossos genes são 98% idênticos,
fato comprovado pela engenharia genética. Então, por que bananas
atiradas aos povos de origem negra? Somente por uma questão de pele?
Originariamente
pertencermos ao planeta primata. Braços dados ou não, somos todos
iguais e habitantes de uma embananada selva erguida por pedras, tão
tecnológica quanto caótica, onde ações intolerantes registradas
pela História evidenciam escancarada discriminação racial. Em
particular no Brasil, atos preconceituosos contra afrodescendentes
mancham esta nação mulata desde os tempos coloniais escravocratas.
Em
pleno século XXI preconceito é prova do quanto alguns humanos
continuam primatas primitivos na mentalidade. Eis porque a luta
antirracismo precisa ter caráter de constante ativismo social na
construção duma legitima identidade negra.
Quando
Darwin assegura que macacos e homens possuem um parente primata em
comum ele permite justificar que bananas atiradas aos cidadãos
negros também possam ser relançadas, como efeito moral afirmativo,
contra quem os discrimina. “Enquanto a cor da pele for mais
importante que o brilho dos olhos, sempre haverá guerra”… Guerra
de bananas!
Banana
ouro… Naquele anacrônico Brasil colonial os africanos aqui
desembarcaram na condição de escravos, entretanto, nobres negros se
rebelaram revelando o real significado de símbolos monárquicos
adotados nos quilombos, irmandades e festivas manifestações
populares. Essa nobreza negra tatuada na pele desde África,
continente marcado por grandiosos reinados, foi instrumento relevante
para superar atrocidades no ambiente humilhante da escravidão e,
tempos depois, no dissimulado racismo à brasileira. Assim, Chico
escravizado “deu bananas” ao garimpo onde era explorado, pois nas
Minas Gerais virou rei após comprar alforrias com o ouro em seus
cabelos guardado. Nobremente paramentados, alegres cortejos de
ex-escravos saiam às ruas para celebrar com danças, batuques e
cantos sagrados a coroação do Rei do Congo, nosso tradicional
congado. Outro séquito afro abrasileirado, embalado pelas alfaias de
baque virado, reverencia a corte real dos maracatus cujos Reis e
Rainhas, abrigados debaixo duma suntuosa sombrinha com franjas
douradas, empunham cetros e cabeças coroadas. Negro escravo vestido
como nobre refletia “banana deboche” aos olhos dos senhores
fidalgos.
Banana
prata… Injustiçada, proibida, estigmatizada, importantes
expressões culturais traçadas pelos artistas afro-brasileiros
resistiram aos grilhões do nefasto preconceito após percorrer uma
longa trajetória até alcançar autonomia, reconhecimento e
criatividade própria. Arte negra: vivifica palavras versadas
transcritas em primorosas obras literárias; projeta dramaticidade
exibida na glamourosa tela; esbanja talento quando protagoniza
personagens famosos em telenovelas; atrai holofotes midiáticos sobre
astros-reis dos verdes gramados. Dentre valorosos campos artísticos
dois cenários foram igualmente pródigos ao estrelato negro: o morro
carioca, onde brotaram sambas e as “escolas”, agremiações que
davam aos músicos um senso de legitimidade e permitiu romper com as
segregadoras barreiras sociais porque daquele torrão fecundo
desceram batucadas inspiradas por poetas bambas, muitas delas
improvisadas, eternizando estrelas como Ciata, que “pelo telefone”
foi denunciada, mas ao chefe da polícia “deu bananas” pra não
deixar a chama do sambista malandro ser apagada. Outro cenário
exuberante protagonizou espetáculos iluminados pela mágica ribalta
dos palcos: TEN, Teatro Experimental Negro, idealizado por Abdias do
Nascimento, um grande expoente na luta contra o racismo e a
marginalização das populações afrodescendentes. Este projeto
inclusivo iniciado em 1944 discutia a valorização social do negro
no teatro e na dramaturgia brasileira levando ao tablado operários,
empregadas domésticas, faveladas e funcionários públicos modestos,
todos recrutados por Abdias, cuja aspiração era compor elencos
negros para delinear um novo estilo dramatúrgico, com uma estética
própria.
Banana
da terra… Tal qual um Baobá frondoso nossa gente crioula floresceu
em terrenos controversos desse Brasil moderno para fazer amadurecer
novas consciências, ramificar autoestimas, desabrochar militantes
ávidos por plantarem sementes afirmativas. Agora, ações
antirracistas acontecem livremente nas ruas, nas praças, nas
escolas, no trabalho, no interconectado ambiente virtual, sobretudo
nas favelas, verdadeiras senzalas urbanas onde negras mães Marias
continuam erguendo suas latas d’água e seguem evocando justiça em
direção ao novo dia; onde jovens negros denunciam cruéis
realidades ao ressoar tambores que abalam estruturas impostas pela
conservadora sociedade. Mas seja na favela, seja em qualquer lugar,
preconceito racial não conseguirá inferiorizar quem tem cabeça
feita para ostentar cabelo, cabeleiras, cabeludos com seus poderosos
blacks subversivamente descabelados. Tampouco fará intimidar filhos
devotos irmanados pela fé matriz, aqueles que carregam poder no axé,
que até ofertam bananas em alguidás pedindo proteção aos orixás
porque neles encontram forças para lutar: “Salve Nosso Senhor
Jesus Cristo, Epa Babá, Oxalá! Salve São Jorge Guerreiro, Ogum,
Ogumhê, meu Pai! Salve Santa Bárbara, Èparrei Oyá, minha mãe
Iansã! Salve São Pedro, Kawô Cabecilê, Xangô! Salve Nossa
Senhora da Conceição, Odofiaba, Yemanjá”!
Evolutivo
é perceber essa batalha travada no presente se constituir em ações
normativas pelo livre direito das futuras gerações poder transmitir
negras heranças na pele, na alma, na voz… Porque ser negro não é
um problema, ser negro é a solução.
Yes,
nós damos bananas! Bananas jogadas aos homens primatas ainda
primitivos involuídos pelo preconceito racial. Parafraseando Martin
Luther King, Rocinha também acalenta um esperançoso sonho. O sonho
de ver qualquer cidadão negro julgado por sua personalidade, jamais
pela cor impressa em sua pele. E como sonhos possuem asas, voemos
alto como livres borboletas por sobre a Sapucaí, palco fantasioso
onde uma irreverente bananada carnavalesca lançada pela consciente
negritude sambista, soará como manifesto antirracista: “Tire seu
preconceito do caminho que eu quero desfilar com a minha cor”.
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