Enredo 2017
Ossaim - O Poder da Cura
Entardece.
Eye - pássaro alado - cruza os céus de todos os lugares quase a completar seu
percurso. Cumpre mais uma vez e sempre a viagem em que teus olhos se lançam
sobre os cantos do mundo.
Inclina
sua crista dourada, desce dos céus, cruza o pórtico selvagem de teu santuário
virgem e, reverente, pousa majestoso no centro dos sete ramos de teu opere. É
aí que se dispõe cordialmente a responder à tua inquirição silenciosa.
Senhor do equilíbrio, lanças teu olhar pássaro sobre a desarmonia do mundo e
recolhe na percepção de tua alma-floresta tudo aquilo que te relata o
tempo presente: loucura, obsessão, males do corpo e da alma. Misérias.
Mazelas. Agonias e Aflições. Descompasso. Conhecendo a desordem, contudo, tu és
silêncio e estabilidade... A terra, justo por tua resistência, confiou-te
o sumo da regeneração.
Foi
Orunmilaia - enviado divino de Olodumaré para o auxílio dos homens - quem
reconheceu tua obstinação e sabedoria quando, ordenada a ceifa da mata, te
recusaste a arrancar as ervas e as folhas, que até hoje traduzem axé.
Ensinaste ao Deus adivinho as maravilhas das folhas, erguendo-te de escravo a
apoiador, curandeiro e conselheiro inseparável. Olodumaré te presenteou
com o saber do âmago das Jinsaba, por teu empenho sincero no trabalho de
restauração da saúde e das energias.
Presença
mágica. Filho liberto da terra. Orixá olodê das folhas que crescem nos lugares
em que haja a liberdade. Avesso da poluição e do artificial. Agué dos jêjes. Katendê
dos Bantos. Ossaim dos Yorubás ou Ossanha nas roças brasileiras de
Candomblé e em nossos terreiros de umbanda. Presença mítica e primordial do
panteão lendário do Dahomé, terra de serpente sagrada. Filho de Nanâ e
Oxalá, gêmeo de tua sagrada irmã Ewá, irmão de Oxumaré, o deus do
movimento e de Omulu, abnegado médico com quem divide o axé sobre a saúde
física e sobre as dádivas da terra.
Silêncio
que preserva o segredo. Austeridade que tudo descontamina. A impetuosidade de
Xangô quis privar-te da exclusividade de teu poder sagrado. Sob os ventos
furiosos de Yansã, igbá-osanyin - tua cabaça que guardava todas as folhas - foi
derrubada do galho de iroko em que sempre a descansava. Espalhadas as folhas ao
vento, foram apanhadas aos punhados por cada um dos orixás... Em momento algum
te preocupaste com a perde de teus poderes. Teu grito diante do fato, ewe ó!
ewe ó! revelou tua real preocupação: As folhas! As folhas! Todas elas agora
espalhadas e repartidas entre os demais orixás. Não te afligiste, porém, com a
distribuição delas... Compreendeste que ao reparti-las cumpri com a tarefa de
reconhecer que os diferentes são complementares. Detentores das folhas
recolhidas, os orixás, contudo, jamais foram capazes de tua profundidade.
Continuas cuidador único do jardim de Orunmilaia. O axé de cada folha, seu nome
e sua encantaria, ainda hoje só tu podes despertar. Nada na seiva verde das
plantas acorda sem tuas palavras de ordem e sem tua ciência acerca de suas
utilidades.
Detentor
do axé que nem mesmo aos orixás pode faltar. Kosi ewé, kosi Òrisà!
Recolhe
teu pássaro mágico com as notícias de nossas feridas e enfermidades, tu que és
sempre evocado quando se instaura a desordem! Professor de Ifá na arte de
curar, orixá da convalescença!
Recupera-nos
no corpo e no espírito!
Nosso
desfile é reza/celebração. A Unidos é tua Alyaba Ewe, responsável, nesse
desfile "toque", por cantar em seu nome a encantaria que esperta as
folhas.
Licença,
encantado da floresta! A Unidos hoje é teu Babá Olosayin, pedindo autorização para
cruzar o portal onde se colhem as ervas. Viemos pedir por todos aquilo que tu
podes conceder: a cura.
É
noite enluarada essa em que a Unidos pisa nas terras sagradas do teu reino,
saudando Aroni, teu fiel anão elemental, tradutor para os homens de tuas
vontades e conselhos. É para ti e para ele que deixamos, sobre o solo de
seu espaço sagrado, moeda, fumo e mel. Licença! A seiva das plantas, sob o
prateado da lua, entumece os caules com as emanações da terra fertilizadas pelo
divino das águas.
A
Unidos caminhou por entre tuas ervas para buscar a cura dos males. Não nos
esconda as ervas, senhor do refazimento! Enche de axé nossos balaios, tu que és
a grande encruzilhada entre a ciência e a religião. Queremos a tudo
revigorar com o fresco verde de tuas folhas. A Unidos te pede, nessa
prece-desfile-homenagem, a recondução de tudo ao equilíbrio fundamental: a
cura. Médico do Orumalé,
padrinho
da homeopatia, da farmácia, dos químicos. Mago aventureiro, autoconfiante
inspirador dos sacerdotes! Conhecedor do bem e do mal. Força dentro de si
mesmo. Artesão da tranquilidade. Dono do pilão que macera as ervas e os
males...
Cura
como restabelecimento. Como processo de reequilíbrio alcançado pela via do
auxílio fraterno e pela vitória sobre nossos próprios vícios. Cura espiritual,
pela mão dos mestres humildades a quem confiaste os mais ricos de teus
poderes na singeleza irradiante de nossos terreiros... Cura física para os
males do corpo, consequências de nossos descaminhos de ontem e de hoje...
Reestruturação da qual as eventuais cicatrizes são marcas de superação e
vitória. Cura como eterno processo reconstrutor da vitalidade do mundo. O mundo
continua sempre que um verde broto irrompe o mistério da terra.
Permite-nos
a colheita do axé do sangue verde de tuas folhas.
Começa
a romper o dia. A Unidos Babá Olosayin deixa os domínios de tua morada...
Enche-nos os samburás com teus verdes unguentos... Concede a tua força a este
Candomblé da Nação Vintém! Olha teus pacientes debaixo da cumeeira do
mundo!
É
dia. Nosso povo sambista deixa o mistério da mata para o claro dos holofotes da
Sapucaí. Sobre a sombra dos coqueiros, tua árvore sagrada, veio fazer a grande
festa! Nas mãos de todos o peregum!
Vai
começar o Sassayin - ritual de imantação das folhas - sob os olhos da Sapucaí!
o mágico cântico de nosso samba é que hoje desadormece as ervas.
Benditas
as tuas múltiplas bênçãos! São amacis, infusões, abôs. "Porque tudo é
passado no abô".
Na
Marquês, hoje, tudo é seiva viva banhando de determinação e estabilidade esse país
que lançaste a beleza do verde e amarelo de tuas cores! Em gratidão, nosso
alabê-mestre e seus ogãs-ritmistas conclamam o Xirê dos Orixás - a grande
festa da natureza! Teus irmãos dançam conosco em tua homenagem!
Celebramos
a tua serenidade! A Sapucaí também dança contigo o bravun e o sajó. Redime
nossos desequilíbrios e saltita conosco bailarina de uma perna só, sob o
carinho de nossas palmas! Celebra a tua glória. Glória que os olhos amigos
de Orunmilaia abençoam nesta apoteose!
A
festa é tua, zelador eterno da regeneração! A Vintém é hoje contigo o poder que
tudo cura. Samba na certeza de que repousa em seu colo obstinado a eterna e
verde esperança... Celebra em ti a certeza do restabelecimento. Ewe assá,
Ossaim! Ewe assá!
A
vermelho e branco se matiza com o verde de suas cores. E no casamento perfeito,
o branco, vermelho e verde são símbolo de tua gente cabocla. Samba, celebra, o
broto novo, aldeia de Padre Miguel!
A
natureza veste teu povo e seu cântico corta o céu. Abô de felicidade pra
restaurar a cidade... Uma amaci de força viva que banha a avenida... Ossaim
guarde sempre as sementes do riso de sua gente!...
Ewé
njé Oógún njé Oógún tikò jé Ewé re i kò pé! (as folhas funcionam. Os remédios
funcionam. Remédio que não funciona é que tem folha faltando!".
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