Luis Carlos de Menezes
Não podemos manter escolas das quais muitos jovens saem convencidos de que são incapazes de aprender e sem as qualificações para a vida
Os milhões de analfabetos com mais de 15 anos que não pretendem voltar à escola são a parte visível de um iceberg formado por dezenas de milhões de brasileiros incapazes de escrever uma carta, fazer um cálculo ou ler um manual. As retenções inócuas ou as falsas promoções convenceram esses estudantes de que seria humilhante ou inútil voltar à sala de aula. O custo social dessa situação é altíssimo e, para evitar que se perpetue, é preciso acabar com a falsa ideia de que os "pobres" ou os de "famílias desestruturadas" não aprenderiam.
O afastamento deles é antigo e não acidental. Por décadas, a maioria era excluída no exame de admissão, ao fim da 4ª série, ou por causa de repetências múltiplas. Poucos chegavam à 8ª série e raros ingressavam no Ensino Médio. Essa era uma política deliberada, pois os menos preparados iriam para trabalhos pesados. A pirâmide de exclusão ainda persiste, mas, como a automação e a informatização substituíram as funções subalternas, agora quem só sabe fazer o que é reservado às máquinas pode ir do subemprego à marginalidade, o que agrava o problema.
É fato que praticamente se universalizou o acesso à Educação e ampliaram-se os anos de estudo, mas o sistema de ensino ainda não atende aos diferentes ritmos de aprendizagem e não sabe lidar com os que vêm de ambientes em que pouco ou nada se lê e em que a vida cultural é limitada, centrada na TV - uma questão pedagógica e também social. É uma condição que tende a se manter ou têm de repetir o que já não deu certo, ou quando prosseguem mesmo despreparados. Sendo esse o diagnóstico, como enfrentá-lo? Eis algumas prescrições para evitar o problema ou tratá-lo.
Ciente dos ritmos de aprendizagem, a equipe necessita contemplar a diversidade no planejamento do ensino, evitando a defasagem entre a idade e a série. Crianças que ainda não leem podem ser valorizadas por outras habilidades e realizar atividades paralelas para alcançar a turma. Para os jovens em descompasso com o aprendizado de sua turma, as opções seriam a distribuição de livros e vídeos de seu interesse e a participação em programas complementares.
Limitações culturais gerais precisam ser supridas, não lamentadas. Na própria classe ou em oficinas de teatro, campeonatos desportivos, passeios de investigação ambiental e ainda em "viagens" pela internet, fornece-se a variedade de escolhas e desafios adequados para cada um. Casos extremos, como os de crianças e jovens que sofrem maus tratos e abusos, demandam assistência psicopedagógica, social ou mesmo legal. Cabe à escola evitar que se agravem.
Se a retenção de um aluno ao fim de uma série ou de um ciclo for julgada inevitável, nunca se deve devolvê-lo à mesma rotina ou a sistema semelhante àquele que não funcionou, mas conduzi-lo a processo realmente diferente, explicitado como um direito e sem estigmas.
É essencial, portanto, lidar com cada um acordo com suas necessidades e potencialidades, o que se faz com sucesso há tempos nas boas escolas, mas está longe de se tornar geral. Por isso, proponho uma experiência: imagine-se diante de sua turma e relacione quem poderia abandonar a escola ao longo do ano - talvez os mais inexpressivos, apáticos ou rudes. Pense em como deveria ser a escola para que eles aprendessem tanto quanto os demais. Mais justo do que tratar todos da mesma maneira é garantir que aprendam, dando atenção especial aos que poderiam ser perdidos e que, por isso, são os mais importantes.
Pois bem, se você aceitou a proposta e tentou responder a essas questões, já está envolvido numa difícil batalha, uma das maiores de nossa Educação: fazer com que a frase com que esta coluna foi iniciada, finalmente, deixe de ser verdade!
NOVA ESCOLA Setembro/2009
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